Guerra às Prestações: semana(s) de sanções

A adoção de sanções é um dos poucos instrumentos de cariz punitivo que a UE tem à sua disposição. São aplicadas com progressividade, porque é a única forma de obter unanimidade entre os 27,

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Sabia que se procurar no Google pela palavra "sanções", em latim sanctio, -onis, alguns dos primeiros resultados remetem para páginas da União Europeia? Será a UE sinónimo de sanções ou estará viciada em punir? É, novamente, semana de sanções. Prepare-se ou não.

Porque não aplicamos todas de uma vez? Qualquer bom diplomata de bancada resvala para a assertividade e ceticismo: “Era aplicar todas de vez!” Ou “se resultassem, não precisariam de mais!”. É um ímpeto compreensível, mas, na prática, não resulta. Estamos a falar de um conjunto de 27 Estados-membros com interesses económicos e políticos diferentes e, não raras vezes, divergentes. Desde o início da guerra total na Ucrânia, os 27 conseguiram chegar todos a acordo – insisto, todos – sobre a aplicação de dez pacotes de medidas restritivas que, indiretamente, terão consequências nos seus próprios países e no seu eleitorado. A política externa e de segurança é uma competência particular de cada Estado-membro. A adoção de sanções é um dos poucos instrumentos de cariz punitivo que a UE tem à sua disposição para promover mudanças políticas nas entidades visadas, como a Rússia. Por isso, são aplicadas com progressividade. Esta é a única forma de obter unanimidade entre os 27 e é um dos escassos meios do bloco para confrontar um país sem provocar uma escalada no conflito, fazendo-o passar a outra dimensão.

Novo pacote. Não desespere, há algo alinhado com a diplomacia de bancada, em especial a questão da eficácia na aplicação das sanções. Após um ano e tal a impô-las à Rússia, os resultados continuam aquém das expectativas. Culpados? Os evasores. Como a maioria do mundo considera a guerra russo-ucraniana um problema regional e olha para Rússia como um parceiro ou aliado, há muitos Estados dispostos a lucrar com o vazio deixado pela UE e pelos seus aliados. O novo pacote, o 11.º, propõe um novo instrumento para combater a evasão às sanções. Vem acrescentar mais produtos russos à proibição de trânsito; vem sancionar a exportação dessas mercadorias para países terceiros – China, Irão ou Turquia – que permitem que aqueles acabem na Rússia; e vem proibir a intervenção de entidades “sombra” da Rússia e de países terceiros. Tudo isto implica uma coordenação coerente e rigorosa com os parceiros internacionais da União, em especial com o G7. Independentemente da pertinência da ideia de desglobalização, é impossível sancionar unilateralmente num mundo que continua hiperconectado.

Passos corajosos, mas espinhosos. A possibilidade de os 27 sancionarem países terceiros e as suas empresas é muito significativa para os padrões europeus. Não se espera, portanto, um consenso rápido. Os Estados-membros querem manter a última palavra sobre a decisão efetiva de sancionar um país terceiro. Alemanha e Itália já pediram que se sancionassem apenas as empresas, e não os países. Contudo, dentro do campo das empresas evasoras encontram-se várias europeias. De acordo com a lista de empresas que a Ucrânia considera “patrocinadoras de guerra”, encontram-se 5 gregas, 4 francesas, 2 italianas e 1 austríaca, 1 belga, 1 estónia, 1 alemã, 1 irlandesa e 1 húngara. A Hungria, aliás, já fez saber que, enquanto o seu banco OTP não sair desta lista, continuará a vetar a nova tranche de 500 milhões de euros de financiamento do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz que permitiria enviar mais material militar para a Ucrânia.

Estas sanções a empresas ou países terceiros, sendo um último recurso, parecem ter um potencial de dissuasão limitado. Além disso, uma coisa é sancionar o Cazaquistão e outra coisa é, como sugerido, sancionar oito empresas chinesas. Há um risco sério de, em troca de medidas inconsequentes para os evasores, se fragilizarem relações diplomáticas. Um conflito diplomático e comercial com estes e outros países, num contexto de guerra na Europa, de reconfiguração da ordem internacional, de maior protecionismo dos EUA e de tentativa de diversificação de fontes energéticas, é a última coisa de que a UE precisa. Ora, qualquer bom diplomata de bancada sabe que até a União precisa de amigos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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