Casa da democracia ou dos youtubers?

É notório que Chega e IL têm as suas raízes nas redes sociais, mas não é suposto que importem para o Parlamento a linguagem e algumas das práticas selvagens destes espaços.

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O Parlamento não é o espelho do país e não é suposto sê-lo. Se o fosse, haveria mais jovens, mais trabalhadores fabris, mais empregados de escritório e alguns agricultores sentados no hemiciclo e certamente menos advogados e menos professores. Num sistema representativo, o que funciona não é a estatística, mas as escolhas que vamos fazendo dos partidos até às eleições legislativas, de onde resulta a selecção dos nossos representantes graças à mais poderosa arma da democracia: o voto.

É suposto que deste processo resulte que, entre aqueles que se sentam em São Bento, estejam alguns dos melhores que a sociedade portuguesa consegue produzir. Infelizmente, o fechamento dos partidos, o afastamento dos cidadãos da vida partidária, a degradação da prática política fazem com que se levantem cada vez mais dúvidas sobre se é o que tem vindo a acontecer nas últimas décadas.

Mas se isto pode não redundar na imagem mais lustrosa da Assembleia da República, o que tem acontecido nas últimas semanas é bastante mais grave, porque passamos do estado de termos uma casa da democracia que não é inspiradora para o estado de sermos envergonhados com o que lá acontece.

Qualquer pessoa razoável só pode corar perante o que o Chega fez na recepção a um Presidente de um país amigo ou nos termos com que se dirige a quem cabe conduzir os trabalhos no hemiciclo. Uma má educação que também transborda para os corredores, visando os deputados de outros partidos e às vezes mesmo elementos do próprio partido. O mesmo sentimento de vergonha sobrevém perante a ideia da Iniciativa Liberal de convidar um youtuber para visitar o Parlamento, subir ao púlpito e daí dirigir insultos ao primeiro-ministro.

É notório que estes partidos têm as suas raízes nas redes sociais e vão aí buscar algumas das suas forças, mas não é suposto que importem para o Parlamento a linguagem e algumas das práticas selvagens destes espaços. Com isso estão a degradar a democracia.

E se a sociedade vai exigindo às redes sociais sistemas de moderação que permitam conter o discurso de ódio ou mesmo afastar aqueles que não se conseguem comportar de forma aceitável, o mesmo tem de ser exigido ao Parlamento. Por isso, faz bem a quase totalidade das forças partidárias em reforçar o poder de moderação do presidente da Assembleia da República. Porque quem não se dá ao respeito não pode esperar ser respeitado.

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