O jogo mental entre homens e mulheres

As mulheres têm maior probabilidade de ter demência ou depressão, enquanto as alterações do espetro do autismo, por exemplo, ligadas ao desenvolvimento cerebral, são mais frequentes em homens.

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Quando se olha para a ativação cerebral durante atividades ou condições específicas, foram encontradas diferenças no funcionamento cerebral para o reconhecimento visual de objetos DR/Milad Fakurian via Unsplash
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Uma das perguntas mais frequentes da audiência quando damos palestras é sobre diferenças entre cérebros femininos e masculinos: será que o cérebro feminino revela multi-tasking? Ou maior emotividade? O cérebro masculino demonstra melhor orientação espacial? Ou talento especial para computação e matemática? Piadas à parte, esta é uma curiosidade natural e frequente, e que tem sido objeto de vários estudos em neurociências. Atenção que estamos a falar estritamente no sentido biológico do termo, diferente da identidade de género que podem ter estas e outras variações.

De facto, sabemos que as mulheres têm maior probabilidade de ter demência ou depressão, enquanto as alterações do espetro do autismo, por exemplo, ligadas ao desenvolvimento cerebral, são mais frequentes em homens.

Há duas formas principais de estudar as diferenças entre sexos em cérebros humanos. Uma é mais estática, através da observação anatómica, na qual se estudam as estruturas cerebrais e células nervosas, a morfologia e eventuais diferenças de volume de certas áreas em relação a outras. A segunda, possível com a modernização das técnicas de imagiologia funcionais, como a ressonância magnética funcional, permite estudar alterações metabólicas ou de fluxo sanguíneo, em repouso ou em indivíduos aos quais se pedem vários exercícios cerebrais, e revelam uma faceta mais dinâmica do cérebro.

Durante muito tempo, qualquer diferença encontrada era imediatamente atribuída às hormonas sexuais, e por estas naturalmente influenciarem quer o desenvolvimento, quer a função cerebral de formas diferentes. Embora isto seja um facto, há que ter em conta diferenças de idade, de estilo de vida, hereditariedade e genética que influenciam o funcionamento cerebral de forma significativa.

Quando falamos em biologia de género, as mulheres têm dois cromossomas X e os homens têm um X e um Y. Cada célula do seu corpo possui um par destes cromossomas sexuais, incluindo as células cerebrais. Há dados recentes que sugerem que a atividade ou “expressão” de genes nos cromossomas sexuais desempenha um papel na formação dessas diferenças anatómicas no cérebro.

Um estudo muito interessante que se debruçou acerca destas questões derivou do Human Connectome Project ou projeto do conectoma humano. Este projeto analisa dados de neuroimagem de cérebros humanos e envolve análises em larga escala de milhares de indivíduos. Em termos anatómicos médios, o cérebro masculino é maior em peso e volume, proporcional ao facto de o volume craniano ser em média, maior. Os cérebros femininos têm maior volume no córtex pré-frontal, córtex orbitofrontal, córtex temporal superior, córtex parietal lateral e ínsula. Os masculinos, em média, apresentaram maior volume nas regiões temporal ventral e occipital. Cada uma dessas regiões é responsável pelo processamento de diferentes tipos de informação. Em termos de capacidade ou “inteligência”, por mais que algumas minorias gostassem, não há diferenças, mas sim estratégias cognitivas diferentes, com capacidade semelhante.

Estas diferenças no volume cortical correlacionam-se com as diferenças de expressão de genes nos cromossomas sexuais. Regiões com expressão relativamente alta de genes codificados nos cromossomas sexuais estão associadas a maior volume cortical. Algumas destas observações podem explicar a vulnerabilidade diferencial de um e outro grupo a certas patologias.

Quando se olha para a ativação cerebral durante atividades ou condições específicas, foram encontradas diferenças no funcionamento cerebral para o reconhecimento visual de objetos, processamento facial, controlo cognitivo, inibição e conflito. Curiosamente, uma das diferenças mais claramente demonstradas pela ciência é na resposta ao stress. As mulheres demonstram maior vulnerabilidade e várias diferenças, quer fisiológicas, quer moleculares, na forma como o stress afeta o funcionamento cerebral.

Ao contrário da crença popular e apesar da curiosidade que ainda hoje nos suscita, simulações de itinerários virtuais não conseguiram demonstrar que os homens consigam orientar-se melhor, mas mostram que as estratégias cerebrais são diferentes. Ou isso, ou ainda não descobrimos a forma correta de ilustrar estas diferenças...

Obviamente que uma compreensão mais clara destas diferenças sexuais na organização do cérebro humano é crucial para perceber o impacto que estas podem ter na cognição, comportamento e risco de doença mental ou neurológica.

Com humor para ambos os sexos e para todos os géneros, experimentem ler o mordaz e acutilante Oscar Wilde na peça Uma Mulher Sem Importância e escutar a música I am your man do maravilhoso Leonard Cohen.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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