Defesas antecipam que juiz do caso BES vai levar todos os arguidos a julgamento

Advogados dos arguidos criticaram o Conselho Superior da Magistratura por ter colocado novo juiz a dirigir a instrução e por ter determinado prazo limite para terminar esta fase.

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Debate instrutório do caso BES está a decorrer no Tribunal de Monsanto, em Lisboa. RUI GAUDENCIO

"Todos antecipamos uma decisão de pronúncia". Foi assim que o advogado Miguel Cordovil de Matos, que representa o contabilista Francisco Machado da Cruz, a quem o antigo banqueiro Ricardo Salgado atribuiu a responsabilidade pela viciação da dívida milionária do grupo Espírito Santo, afirmou preto no branco aquilo que vários colegas comentaram em surdina: os arguidos acusados pelo Ministério Público no caso BES devem ir todos a julgamento.

A afirmação foi feita esta quinta-feira durante o debate instrutório do processo, que decorre desde terça-feira no Tribunal de Monsanto, em Lisboa. Inicialmente estava previsto que este tipo de alegações finais da instrução, uma fase facultativa do processo penal que se destina a avaliar se há indícios suficientes para sujeitar os arguidos a julgamento, deveriam acabar esta sexta-feira. Mas a lentidão com que os trabalhos estão a decorrer — esta quinta-feira foram ouvidos os advogados de apenas cinco dos 25 arguidos acusados pelo Ministério Público — levou o juiz Pedro Santos Correia a antecipar que o debate instrutório só deverá terminar na próxima semana. O magistrado já agendou a continuação dos trabalhos para terça-feira e admitiu que continuassem até ao final dessa semana, se tal for necessário.

Miguel Cordovil de Matos não foi meigo com Pedro Santos Correia, tendo deixado claro que considera que o actual juiz de instrução não possui um "conhecimento profundo e rigoroso" daquele que foi considerado o maior e mais complexo processo da justiça portuguesa, que apenas está a conduzir "há oito meses".

Criticou ainda o Conselho Superior da Magistratura (CSM) por ter determinado um prazo curto para o fim da instrução, uma decisão que considerou "inaceitável" e que praticamente impôs a validação da acusação como um todo. Mesmo assim, desafiou Pedro Santos Correia a não ceder a essa tentação, a estudar o processo e a investigar autonomamente o caso, retirando daí as devidas consequências.

O advogado do famoso "comissaire aux comptes" admitiu que o cliente tem responsabilidades na viciação do passivo da Espírito Santo Internacional, uma empresa da cúpula do GES onde durante anos se ocultou uma dívida crescente, mas recusou a narrativa do Ministério Público que imputa a Machado da Cruz 34 crimes, incluindo integrar a associação criminosa que seria encabeçada por Salgado.

Recorde-se que quando, em Outubro de 2021, o caso que apura responsabilidades criminais no colapso do Universo Espírito Santo chegou ao Tribunal Central de Instrução Criminal, foi sorteado ao juiz Ivo Rosa que apenas realizou a primeira diligência de instrução em Abril do ano seguinte, que previa a audição de mais de 60 testemunhas arroladas por Salgado. Entretanto, Ivo Rosa foi promovido à Relação de Lisboa, mas acabou por não chegar a tomar posse por lhe terem sido instaurados dois processos disciplinares, cujo desfecho ainda aguarda.

O lugar de Ivo Rosa foi entretanto ocupado por outro juiz, Artur Cordeiro que, como está em comissão de serviço como presidente da comarca de Lisboa, teve de ser substituído por Pedro Santos Correia — o único que concorreu à vaga existente —, que não preenche os requisitos de antiguidade exigidos para o lugar que ocupa (tinha quatro anos e meio de experiência na magistratura judicial quando assumiu a instrução do BES e não dez anos como é exigido). O CSM queria que Ivo Rosa terminasse a instrução do BES, mas o juiz rejeitou.

Criticas ao CSM

Quem também criticou o Conselho Superior da Magistratura foi o advogado Paulo Saragoça da Matta, que representa o arguido João Martins Pereira, ex-assessor do conselho de administração do BES, que está acusado de três crimes de burla qualificada.

"O Conselho Superior da Magistratura violou o princípio do juiz natural", acusou Saragoça da Matta, que lamentou que toda a prova feita durante a instrução tenha sido prestada perante Ivo Rosa e não perante Pedro Santos Correia. "A única testemunha que lhe pedi para ouvir não aceitou", lamentou, acusando o juiz de nem sequer ter fundamentado o indeferimento.

Saragoça da Matta contestou as acusações quanto ao seu cliente, garantindo que em causa estão apenas "cinco meses da sua vida", numa altura em que Martins Pereira já tinha pedido para ser reformado. "O meu cliente está acusado por estar em CC em alguns emails e ter estado presente em algumas reuniões", repetiu o advogado. E rematou: “A tese do Ministério Público considera que quem assistiu à missa de corpo presente é cúmplice na morte do defunto”.

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