Ricardo Salgado é um dos 25 arguidos acusados no colapso do BES

Ministério Público acusou 18 pessoas e sete empresas. Procuradores contabilizam em 11.800 milhões de euros o “valor que integra o produto de crimes e prejuízos com eles relacionados”.

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LUSA/PAULO CUNHA

O ex-banqueiro Ricardo Salgado foi esta terça-feira acusado de vários crimes no inquérito relacionado com o colapso do Banco Espírito Santo (BES) e do grupo com o mesmo nome (GES), anunciou a Procuradoria-Geral da República em comunicado. Salgado é um dos 25 arguidos, 18 pessoas e sete empresas, acusados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que durante quase seis anos tentou desvendar uma complexa teia de empresas e esquemas financeiros que levaram ao colapso do universo Espírito Santo, em 2014.

O Ministério Público contabiliza em 11.800 milhões de euros o “valor que integra o produto de crimes e prejuízos com eles relacionados”. Do rol de acusados, fazem parte o antigo braço direito de Salgado, Amílcar Morais Pires; Isabel Almeida, directora financeira do banco; o contabilista Francisco Machado da Cruz e membros da família como José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo.

A lista de crimes imputados pela vasta equipa liderada pelo procurador José Ranito inclui associação criminosa, vários tipos de corrupção, burla qualificada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais, infidelidade, entre outros. Isso mesmo é referido pela nota da procuradoria. “Foi deduzida acusação pelo crime de associação criminosa (relativamente a 12 pessoas singulares e cinco pessoas colectivas) e pelos crimes de corrupção activa e passiva no sector privado, de falsificação de documentos, de infidelidade, de manipulação de mercado, de branqueamento e de burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e colectivas”, lê-se no comunicado.

O DCIAP acredita que Salgado terá construído dentro do BES uma entidade paralela, que funcionava à margem dos órgãos de gestão e de controlo e dos supervisores, com o objectivo de “segurar” o GES, financiando a dívida das empresas da família. 

A defesa de Ricardo Salgado reagiu logo que foi anunciada a acusação, confirmando ter sido notificada do documento e queixando-se do comportamento do Ministério Público neste processo. Numa nota assinada pelos dois advogados do antigo banqueiro, estes garantem que o cliente “não praticou qualquer crime e esta acusação ‘falsifica’ a história do Banco Espírito Santo”. Admitem que Salgado cometeu “erros” e voltam a fazer um ataque violento contra o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que em Agosto de 2014 determinou a resolução do BES. “Foi este mesmo Banco de Portugal liderado pelo dr. Carlos Costa que, depois de apagar das fachadas uma marca com mais de 140 anos de existência, interveio neste inquérito-crime, em claro e manifesto conflito de interesses”, destaca a defesa de Salgado.

O Ministério Público juntou mais de duas centenas e meia de inquéritos numa investigação principal, que chega agora ao fim. Mas este não será o ponto final nesta história, já que é certo que alguns casos laterais vão levar à extracção de cópias de elementos de prova já recolhidos e dar origem a novos inquéritos que deverão continuar a ser investigados pelo procurador José Ranito e pela colega Olga Barata. Estes são dois dos sete procuradores que assinam a acusação e que nesta investigação contaram com o apoio de mais de duas dezenas e meia de profissionais de múltiplas instituições. A Polícia Judiciária chegou a ter uma dezena de elementos em exclusivo neste caso, mas a PSP, o Banco de Portugal, a Autoridade Tributária, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República e a Inspecção-Geral de Finanças também disponibilizaram especialistas. Nunca antes um inquérito criminal teve uma equipa multidisciplinar com esta dimensão e diversidade.

A complexidade do caso e o facto de o universo Espírito Santo estar disperso por várias jurisdições levou em Maio de 2015 as autoridades portuguesas e suíças a lançar uma equipa de investigação conjunta, acordada em sede de Eurojust. Foi nesse âmbito que foi trocada informação e foram realizadas diligências a pedido do Ministério Público português, que incluíram buscas e audições de pessoas.

O problema é que a informação que o DCIAP sabia que existia, mas à qual não podia aceder, demorou mais de três anos a chegar a Portugal e parte dela, considerada relevante, ainda não chegou. O Ministério Público decidiu avançar mesmo assim para a acusação, mantendo alguma expectativa, no entanto, de que essa prova ainda possa chegar a Portugal a tempo de ser usada durante o julgamento.

Mas a Suíça foi só um dos vários países a que foi necessário recorrer para desfiar este enorme novelo. Em Março do ano passado, num balanço sobre a investigação, a Procuradoria-Geral da República dava conta de que no âmbito deste caso foi necessário recorrer à cooperação judiciária com outras dez autoridades: Brasil, Espanha, Estados Unidos, Macau, Panamá, Dubai, Países Baixos, Bélgica, Alemanha e Luxemburgo. O objectivo foi obter dados bancários, realizar audições e arrestar bens.

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