Negócios verdes da China

A transição energética europeia está assente numa dependência já muito pouco subtil da China.

Nos últimos meses começaram a emergir notícias que a China, alegando motivos de "segurança nacional", está a considerar proibir a exportação de tecnologias utilizadas para produzir ímanes de terras raras de alto desempenho utilizando elementos como o neodímio e o cobalto de samário, implantados em veículos eléctricos, motores de turbinas eólicas e outros produtos. Com a transição energética cada vez mais dependente da China, que já domina 70% da produção de tecnologias limpas e dos seus componentes, esta movimentação visa consolidar a sua posição dominante neste sector em franca expansão, subindo na cadeia de valor e assumindo-se como fornecedor de soluções completas.

Porque devemos estar preocupados? A mudança para energias limpas irá gerar um enorme aumento nas necessidades de minerais críticos. As centrais solares fotovoltaicas e parques eólicos exigem mais minerais para construir do que as suas contrapartes baseadas em combustíveis fósseis ou nuclear. Um parque eólico requer nove vezes mais recursos minerais do que uma central a gás. As terras raras são usadas no fabrico dos ímanes das turbinas eólicas, principalmente para turbinas offshore, devido à sua confiabilidade e capacidade de lidar com velocidades de vento mais elevadas. Na eólica existem várias grandes empresas europeias envolvidas, por exemplo Siemens-Gamesa e Vestas (que têm reportado perdas avultadas), que por sua vez têm uma forte dependência da China ao nível de alguns materiais críticos e sofrem forte concorrência das empresas chinesas.

Uma concorrência crescente! Basta ver com atenção as muitas notícias que têm aparecido nos media sobre soluções para a eólica offshore em Portugal que prometem turbinas de 18 MW (que ainda não existem) de origem chinesa. A China é responsável por 60% da capacidade global de fabrico tanto de turbinas onshore como offshore e metade do comércio global, com a maioria das exportações a irem para outros países asiáticos e Europa. Nas eólicas offshore, a China tem dado passos de gigante para se aproximar dos seus rivais ocidentais. O fabricante chinês de turbinas Goldwind anunciou recentemente o lançamento com sucesso da maior turbina eólica offshore do mundo, com 16 MW, batendo os 15 MW da Vestas na Dinamarca. Uma competição feroz que se estende a outras dimensões da transição energética.

Por exemplo, as empresas mineiras chinesas estão a intensificar esforços para aumentar o seu acesso aos depósitos de lítio, numa tentativa de satisfazer a crescente procura global de baterias, comprando minas de lítio noutras geografias para evitar que os países europeus se emancipem por essa via.

De acordo com a IEA (acrónimo inglês da Agência Internacional de Energia, da OCDE)), para que o mundo atinja a meta de emissões líquidas zero de carbono até 2050, a procura por minerais críticos, incluindo lítio, cobre, cobalto, níquel e os elementos de terras raras, todos eles ingredientes vitais da tecnologia de energia limpa, aumentará seis vezes. Para chegar ao zero líquido, a Europa precisará de até 26 vezes a quantidade de metais de terras raras em 2050 em comparação com as necessidades actuais. As terras raras podem ser difíceis de obter devido à procura, mas não são raras! Mesmo o elemento mais raro, o túlio, é mais de 100 vezes mais comum que o ouro.

Indiscutivelmente, o que torna alguns destes materiais escassos o suficiente para serem lucrativos é o processo extremamente perigoso e tóxico necessário para extraí-los do minério e refiná-los em produtos utilizáveis. A sua produção e descarte são ambientalmente destrutivos. Cada tonelada de terras raras produzida resulta em 2000 toneladas de rejeitados das minas, incluindo 1 a 1,4 toneladas de resíduos radioactivos. O domínio da China no mercado de terras raras vem acompanhado por um enorme impacto ambiental que outras nações têm evitado.

A UE depende de importações, enquanto a geopolítica das cadeias logísticas é cada vez mais instável. A China é o maior produtor mundial de terras raras. A Rússia é o quarto maior fornecedor. Não será esta dependência uma potencial ameaça significativa à soberania energética europeia? Talvez haja lições a aprender com as tentativas da Rússia de usar o fornecimento de gás como uma arma.

Ainda que a Europa dê demonstrações de estar a perceber finalmente a importância do lado industrial da transição energética, implementando políticas voltadas para o desenvolvimento da cadeia de fornecimento doméstica, serão agora difíceis de concretizar, inclusivamente devido à escassez doméstica de produção de muitos dos materiais críticos.

O crescimento da produção de painéis fotovoltaicos na China é um exemplo paradigmático da importância de conjugar políticas industriais com políticas de energia. A Europa foi líder e pioneira no desenvolvimento e implantação de energia solar fotovoltaica. Foi a primeira a acreditar no seu futuro e a apoiá-lo com grandes recursos financeiros. No entanto a Europa não capitalizou nessa liderança para se tornar também um pólo industrial de energia solar fotovoltaica, apoiando o desenvolvimento da produção fabril. A China assumiu a liderança nesta importante indústria e de acordo com as projecções terá em breve 95% da capacidade global de fabricação, tendo criado centenas de milhares de empregos, garantindo a segurança das suas próprias necessidades e milhões de milhões de Euros em exportações e comércio.

Observadores atentos notarão que os negócios verdes da China também começam a alargar-se à energia nuclear, uma área na qual os países europeus estão divididos. A França tem sido frustrada nas suas tentativas de promover a energia nuclear nos objectivos renováveis da UE. Países como a Alemanha, Áustria e a Espanha insistem em excluir a energia nuclear dos objectivos da UE em matéria de energias de baixo carbono. Neste mês, alguns terão celebrado certamente o encerramento das centrais nucleares alemãs. Não é, portanto, surpreendente que a França continue a ver na China um aliado com o qual uma das prioridades da cooperação é o desenvolvimento da energia nuclear civil, mantendo um equilíbrio entre a cooperação e a concorrência, conforme reforçou a recente visita do presidente Macron à China. A parceria China-França, que tem já quatro décadas, abrange investigação e desenvolvimento tecnológico, cadeias de fornecimento industrial, formação de pessoal, e pós-operação.

Mas a dinâmica dos dois países neste sector evoluiu de uma relação de aprendiz-mestre para uma cooperação estratégica recíproca. Embora a França e a China concorram no mercado global, onde a tecnologia da Geração III domina, continuam a manter uma potencial cooperação em mercados de terceiros e no desenvolvimento tecnológico da Geração IV. Ganha-se em inovação, mas devemo-nos questionar quanto mais estamos dispostos a perder em termos de liderança energética.

A transição energética europeia está assente numa dependência já muito pouco subtil da China. O impulso para diversificar a cadeia de abastecimento ganhou em urgência, devido a preocupações de segurança energética alimentadas pela crise da Ucrânia e preocupações práticas da cadeia de abastecimento levantadas pela pandemia de covid-19. Alguns analistas apontam que a interdependência saudável e diversificada, mais do que a independência, é a solução desejada para cadeias de abastecimento resilientes. A Europa tem a ambição de liderar a transição energética, no entanto, a transição energética gravita cada vez mais em torno da China, mesmo em áreas como o nuclear, nas quais a Europa, coordenada com a França, poderia liderar.

Enquanto reina a desunião europeia, as tecnologias de baixo carbono são cada vez mais um negócio da China!

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