Celebrar os múltiplos caminhos da música experimental com a Sonoscopia

O colectivo e associação assinala, este sábado no Porto, o segundo aniversário da sua mais recente casa, com concertos e novas edições.

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Marcia Bassett e Samara Lubelski na Sonoscopia cortesia Sonoscopia

Quando rebentou a pandemia, o núcleo duro da Sonoscopia decidiu que estava na altura de investir num espaço novo. Aposta arriscada, mas aposta ganha. A 26 de Abril de 2021, a sede na Rua de Silva Porto tornava-se a casa que o colectivo e associação cultural portuense precisava para fortalecer e desenvolver a sua actividade na área da música experimental e improvisada, com vários tentáculos: criação, apresentação de concertos, residências artísticas e projectos educativos.

Este sábado, numa tarde/noite com quatro concertos, a Sonoscopia celebra o segundo aniversário neste novo espaço, mas também tudo o que está para trás. E é muita coisa: um percurso que começou nos anos 90, acompanhando e contribuindo para os avanços de uma comunidade musical discreta, mas inquieta; uma associação que se oficializou em 2011, mostrando-nos novas formas de ouvir e de fazer música; um trabalho contínuo que se tem materializado numa rede nacional e internacional de músicos de várias gerações e visões.

“Como se trata de um nicho, vive-se muito de uma entreajuda e de um circuito muito próprio. Não poderíamos estar circunscritos ao panorama nacional, ainda por cima com tão poucos espaços para fazermos as coisas”, diz Gustavo Costa, músico e director artístico da Sonoscopia, juntamente com Henrique Fernandes e Patrícia Craveiro. “Como tocamos muito fora do país, acabamos por trazer muita gente para cá. É uma bola de neve. Ficámos no mapa.”

O espaço na Rua de Silva Porto ajudou a fomentar essa ética e prática de partilha. “Antes tínhamos um quarto e meio para as residências. Agora temos uma zona específica para isso, três quartos com equipamento técnico, estúdios, um jardim e uma cozinha”, realça Gustavo Costa. “Foi uma casa desenhada para aquilo que nós pensamos ser as necessidades da música do futuro.”

Para o co-director da Sonoscopia, em Portugal esse futuro tem pernas para andar. Há uma “evolução muito clara” da música experimental nacional, estimulada por um maior acesso à informação, bem como a equipamentos e instrumentos, e um ensino mais especializado. “Tudo isso tem produzido resultados visíveis. Temos uma nova geração que está muito bem preparada.” Nesse sentido, os membros da Sonoscopia estão “sempre atentos ao que se anda a fazer”, criando oportunidades de colaboração ou de apresentação, até porque estes artistas “não têm muitas possibilidades de se apresentarem noutros espaços”.

É um caminho de persistência que o próprio colectivo conhece bem, enquanto espaço independente e autogerido numa cidade que tem vindo a tornar-se cada vez mais institucional. “Ao fim de tantos anos – o núcleo duro já se conhece há 30 – é difícil ter aquela ingenuidade do início, mas queremos acreditar que ainda temos alguma que nos faz continuar. Apesar de tudo, somos obrigados a cumprir obrigações que podem ser um bocado contraditórias com algumas coisas em que acreditamos, mas tem de ser, para o bem e para o mal.”

Música sem regras

Um dos pilares da actividade da Sonoscopia é a criação, que tem ganho corpo em projectos de maior dimensão. Ainda na semana passada apresentaram o primeiro capítulo de OCO no Iraque, um projecto a quatro anos que passará também pela Colômbia e por Portugal, e que “irá culminar num documentário fictício”. Também em andamento têm o Phonospermia, uma criação do núcleo duro da Sonoscopia em parceria com a flautista Clara Saleiro e a harpista Angélica Salvi, que se estreia em Maio no Festival Música Viva, em Lisboa.

A música experimental é um nicho, sim, mas a Sonoscopia tem procurado dessacralizá-la – e aproximá-la de quem quiser experimentar um instrumento, fazer ruído com objectos do quotidiano, sentir a liberdade de fazer música sem regras. São essas as premissas do Grupo Operário do Ruído, um projecto colaborativo aberto à comunidade, gerado no âmbito do programa municipal Cultura em Expansão, e que neste momento está à procura de novos participantes.

Já o programa das festas deste segundo aniversário inclui quatro concertos. No arranque, pelas 17h, estará o americano Andrew Levine, numa actuação com theremin e dispositivos electrónicos. Segue-se o duo francês Arlt, numa reinvenção experimental e caleidoscópica da chanson française, e, depois do jantar, Marcia Bassett, referência maior do underground americano e das explorações transfronteiriças entre os territórios mais desregulados do rock, do noise, do drone, da folk e da electrónica, aqui acompanhada pela videasta Ursula Scherrer. A fechar, o trio de improvisação livre de Frantz Loriot (viola), Marina Tantanozi (flauta) e Philipp Eden (piano preparado). Há ainda o lançamento de três novas edições em cassete da Sonoscopia.

Os bilhetes custam 5 euros, com direito a jantar, ou 10 euros, com oferta de jantar e cassete.

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