Carla Visi canta em Lisboa Clara Nunes, “um marco na música brasileira”

Celebrando os dez anos do disco Pura Claridade, a cantora brasileira Carla Visi apresenta-se esta sexta-feira em Lisboa, no espaço UCCLA, às 20h.

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Carla Visi DR

Dez anos depois de ter gravado Pura Claridade, álbum inteiramente dedicado à obra e repertório da cantora mineira Clara Nunes (1942-1983), a cantora Carla Visi revisita-o num espectáculo único, esta sexta-feira no Espaço UCCLA/Casa da América Latina, em Lisboa, às 20h. Com ela, estará uma banda composta por Luiz Antônio Gomes, Marcio Dhiniz, Ximbinha Mamede, Cristiano Ferreira, Jeff Negreiros e Felipe Figueiredo.

Filha, neta e bisneta de cantoras, nascida em 31 de Agosto de 1970 em Salvador da Bahia, Carla Visi (de seu nome completo Carla Virgínia Soares Fernandes) teve uma convivência constante com a música, desde sempre. “Eu até digo que sou forjada pela música brasileira”, diz ela ao PÚBLICO. “Claro que há a comunicação, o gosto pela leitura, tenho uma formação em jornalismo, o que me dá uma curiosidade maior quando faço qualquer trabalho, pesquisando a biografia, lendo sobre o artista homenageado. O próprio Gil, frequentei a casa dele quando estava a fazer o meu disco de 2001.”

Esse disco, Carla Visi(ta) Gilberto Gil - Só Chamei Porque Te Amo, foi o seu primeiro a solo, depois de vários anos a actuar em bares na Bahia e em grupos de maior impacto, como Cia Clic ou Cheiro de Amor. Viria a gravar, depois, mais quatro: Por Todo Canto (2004), Carla Visi E Eu (2009), Encanto Mestiço (2011) e Pura Claridade (2013). Este, inspirado no título de um dos álbuns de Clara Nunes, Claridade (1975), incluía versões de uma canção de cada dos 15 álbuns de Clara (há ainda um outro, o 16.º, em parceria com Paulo Gracindo, Brasileiro, Profissão Esperança, de 1974), a par duas canções que, não sendo dela, a homenageiam: Mineira, gravada por João Nogueira na década de 1970; e Um ser de luz, interpretada por Alcione após a morte de Clara, em 1983.

“Quando comecei a apreciar mais a música, na minha adolescência”, recorda Carla, “foi exactamente num momento em que perdemos duas grandes vozes brasileiras: em 1972 foi a Elis Regina e em 1983 a Clara Nunes. A Elis tinha uma maior influência no meu modo de cantar, porque o meu timbre era mais parecido com o dela, enquanto o da Clara Nunes, mais grave, era mais parecido com o da minha mãe, quando cantava. A minha mãe era sambista, a minha tia mais velha foi uma das primeiras mulheres instrumentistas da Ordem dos Músicos do Brasil, lá na Bahia. Ela hoje tem 75 anos e deve ter mais de 50 de música, como percussionista. Quando eu ouvia a minha mãe cantar, achava lindíssimo, mas pensava que só ela poderia interpretar essas canções.”

Até que um dia, um amigo, Ricardo Pinheiro (“radialista e pesquisador de música”) foi a casa de Carla Visi propor-lhe que fizesse uma homenagem a Clara Nunes. Carla disse-lhe que não era sambista, que estava mais lizada ao Axé da Bahia, que haveria muitas outras vozes, mas ele insistiu e o projecto acabou por ir em frente. “Eu acho que a gente não fugiu muito do que ela fez, porque o que ela fez já foi maravilhoso. Só que foi uma oportunidade para mim, conhecer profundamente o repertório da Clara, a história dela, conversei com Vagner Fernandes, jornalista e biógrafo dela [escreveu Clara Nunes, Guerreira da Utopia, editado pela primeira vez em 2007], falou-me de coisas que não estavam no livro. Além disso, eu tenho muito afinidade com a Clara Nunes, primeiro porque é um vínculo com a minha mãe, que morreu em 2003 e numa data similar à da Clara, que morreu a 2 de Abril e a minha mãe morreu a 4 de Abril, 20 anos depois.”

Quando Carla gravou Clara Nunes, tendo por referência a sua mãe como “a grande intérprete da Clara” no seu imaginário, na sua memória afectiva, ao ouvir as canções que lhe eram propostas para gravar, reavivou “muitas memórias, muitas lembranças”: “Da minha mãe e da força da Clara Nunes. Infelizmente, ainda temos que discutir questões como o racismo, a força do feminino, o respeito pela diversidade religiosa, e tudo isso já Clara trazia no seu canto, até 1983. Ela é um marco, de facto, na música brasileira, com muita coragem, muita beleza, em tão pouco tempo de carreira.”

O disco Pura Claridade, que agora faz dez anos, conta com arranjos de Rildo Hora, Jota Moraes, Pezinho, Didi Pinheiro e Izaias Marcelo (também responsável pela produção), participando ainda nas gravações Paula Fernandes, Thiaguinho, Péricles, Xande de Pilares e Daniela Mercury. “A contribuição da Clara, num país muito grande como o Brasil, de características diversas, com um idioma que nos identifica, o português (que eu amo de mais, como comunicóloga, cantora e apreciadora da poesia), e também do marido dela, o Paulo César Pinheiro, fizeram coisas incríveis como parceiros, é de uma riqueza que eu me sinto privilegiada em poder interpretar e trazer para Portugal.”

Portugal onde Carla Visi vive, desde há uns cinco anos. O espectáculo desta sexta-feira, Clara por Carla, que ela tenciona levar a outros palcos europeus e também ao Brasil, coincide com o 40.º aniversário da morte de Clara Nunes, em Abril de 1983.

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