Quem alinha num “banho de natureza” de 90 minutos nos jardins do Palácio de Cristal?

Nos jardins do Palácio do Cristal, no Porto, alunos, professores e funcionários do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) aceitaram tomar um “banho de natureza”.

#TBL - Banhos de Natureza - Palacio de Cristal, Porto - 11 Abril 2023 - Tiago Bernardo Lopes
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A guia desafiou os participantes a encontrarem um esconderijo Tiago Bernardo Lopes
#TBL - Banhos de Natureza - Palacio de Cristal, Porto - 11 Abril 2023 - Tiago Bernardo Lopes
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O exercício de conexão com a natureza durou 90 minutos Tiago Bernardo Lopes
#TBL - Banhos de Natureza - Palacio de Cristal, Porto - 11 Abril 2023 - Tiago Bernardo Lopes
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Alunos, professores e funcionários atravessaram a rua para um momento de relaxamento Tiago Bernardo Lopes
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Ao longo do percurso, existem pequenos desafios Tiago Bernardo Lopes
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A ideia é andar lentamente e com atenção à natureza Tiago Bernardo Lopes
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Em parceria com a Go Wild o ICBAS oferece banhos de natureza à comunidade académica Tiago Bernardo Lopes
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Depois de se juntarem em pares, os participantes trocaram os "tesouros" que encontraram Tiago Bernardo Lopes
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A guia desafiou os participantes a encontrarem um esconderijo Tiago Bernardo Lopes

O Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto, está a organizar, com a comunidade académica, momentos de conexão e reflexão com a natureza. Para isso, desafiou alunos, professores e funcionários a largarem o trabalho e irem até “ao outro lado da rua”, ao Palácio de Cristal, para um Banho de Natureza de 90 minutos e o PÚBLICO acompanhou este “caminho com os sentidos”.

É assim que Nadja Imhof, guia certificada de “terapia da floresta” descreveu os Banhos de Natureza a quem aceitou o desafio de participar. Nadja ganhou interesse pela prática durante a pandemia, uma fase em que sentiu muita “desconexão” e um forte impacto na saúde mental. “Então fugi, fui até uma floresta”, conta, entre risos. “O efeito foi imediato e percebi o quanto a natureza influenciava a forma como nos sentimos.” Pouco tempo depois, encontrou uma aula sobre banhos de natureza, que a atraiu por ser sobre “praticar natureza, mas com uma base científica sólida e benefícios provados”.

Aminur, Cristina, Irene, Miguel, Pedro, Alzira, Sara, Claúdia e Paola juntaram-se a Nadja Imhof, a orientadora deste “banho” para a tal viagem “com os sentidos”. Karine esclarece que “não será uma caminhada” — o passo é lento e o destino irrelevante. Depois de uma breve explicação sobre o que é “tomar um banho de natureza” e dos benefícios que a prática traz, Nadja pede aos participantes que respondam a um pequeno questionário sobre o estado de espírito de cada um, que será comparado com outro a que respondem no final.

Durante uns minutos, o cenário é completamento o oposto de ligação à natureza: quem por lá passou viu um conjunto de cabeças baixas e atentas ao ecrã. Mas, depois das respostas ao inquérito, Nadja pediu para desligarem os telemóveis ou o respectivo som. Durante 90 minutos não existiram telefonemas, nem e-mails, nem mensagens. A regra foi quebrada apenas uma vez, por uma participante, para tirar uma fotografia e documentar um momento de troca.

O caminho é dividido em tarefas, ou “pequenas missões”, como descreve Nadja. Após cada missão, o grupo reúne-se e partilha, se estiver confortável com isso, algumas ideias. Tudo começou numa pequena ilha dos jardins: o grupo apresentou-se e partilhou o que sentia e o que esperava desta viagem. Alguns participantes expressam um sentimento de stress, de sobrecarga de trabalho, e esperam encontrar nos jardins um momento de calma e tranquilidade. Outros têm um gosto especial pela natureza e querem sentir-se mais ligados a ela. “Espero sair daqui menos desorientada”, diz uma participante que confessou estar a passar por um momento de luto.

Os participantes responderam a um inquérito no início da sessão Tiago Bernardo Lopes
Os participantes responderam a um inquérito no início da sessão Tiago Bernardo Lopes
O primeiro ponto do exercício foi uma meditação guiada Tiago Bernardo Lopes
O primeiro ponto do exercício foi uma meditação guiada Tiago Bernardo Lopes
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Os participantes responderam a um inquérito no início da sessão Tiago Bernardo Lopes

Depois das apresentações, foram convidados pela guia a encontrar uma posição confortável. Uns sentaram-se numa manta, outros em troncos e na berma da “ilha”. Nadja começou então a orientar uma meditação. Começa por pedir que olhem com atenção para o que os rodeia e que reparem “nos outros seres”, adoptando um “olhar suave”. De fundo, além do barulho das obras e dos aviões, ouvem-se os galos, os pássaros, os pavões e a corrente da água, enquanto a guia pede, em inglês porque ainda não se sente confortável com português, para fecharem os olhos, sentirem a respiração, pensar em “como o espaço à nossa volta recebe e dá de volta a nossa respiração”, como cheira a nossa própria pele e como o ar toca no nosso corpo.

Olhar com suavidade para o que nos rodeia

Daqui partimos para outra zona no palácio, mas, durante o percurso, Nadja pede uma atenção especial “para o que está em movimento”. Antes de começar a missão seguinte, os participantes partilharam algumas palavras – “no silêncio, há tantos barulhos que podemos ouvir”. O desafio, agora, é recolher cinco “tesouros” do chão e cada membro do grupo com um saco de papel deambulou durante dez minutos de olhos no chão atentos ao que podiam encontrar.

Quando as escolhas foram concluídas, estava na hora de partilhar os “tesouros”. Um de cada vez, colocaram na mão do par, que se devia manter de olhos fechados, um objecto. E, apalpando aqui e ali, ia-se adivinhando o conteúdo dos sacos castanhos.

O último desafio foi um apelo à criança interior e, como em criança, os participantes procuraram encontrar o melhor lugar de esconderijo. Entre ramos de árvores, num forte de pedra, aninhados entre dois troncos e assim se passaram alguns minutos de introspecção. Num momento de nostalgia, Pedro Moreira, estudante de Medicina de 21 anos de idade, confessou pensar em como “as crianças são felizes e vivem despreocupadas”.

Recolha e troca de "tesouros" encontrados no Palácio de Cristal Tiago Bernardo Lopes
Recolha e troca de "tesouros" encontrados no Palácio de Cristal Tiago Bernardo Lopes
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Recolha e troca de "tesouros" encontrados no Palácio de Cristal Tiago Bernardo Lopes

No final, sentados na parte inferior dos jardins, com vista para o rio Douro, Nadja abriu um livro, que tinha levado na mão ao longo de todo o caminho, e leu um poema chamado Os Ouvintes Silenciosos, de Laura Foley.

Vai até aos bosques
e conta tua história
às árvores.
Elas são sábias
erguidas em fendas de silêncio
entre brancos cristais de pedra
e membros cadentes.
E têm tempo.
Tempo para o balançar das folhas,
para o flutuar descendente,
para a poeira.
Elas têm tempo para se juntarem
e segurar a terra em torno
dos seus pés.
Faz isto.
É algo que aprendi.
Como elas se curvarão por ti
de forma tão suave.
Vão curvar-se por ti
E ouvir
.”

O banho terminou. Trocam-se algumas impressões e agradecimentos e os participantes, cada um pelo seu caminho, regressaram “ao outro lado da rua”. Mas, antes disso, Pedro Moreira falou um pouco do tempo passado nos jardins. “Sou um bocado céptico com este tipo de práticas não tão convencionais”, confessou. “Acredito muito na promoção da saúde mental através de psicoterapia e outras coisas mais cientificamente comprovadas”. No entanto, reconhece que gostou da experiência, que o obrigou “a fazer reflexões e pensar o contacto com a natureza”, que sozinho não faria. “A próxima vez que vier para um jardim vou estar com um pensamento diferente. Vou reflectir sobre algumas coisas.”

É esse o objectivo de Nadja, que espera, “a seu tempo, deixar de ter este trabalho”, porque a ideia “é capacitar as pessoas para que adoptem a prática por si próprias”. “No início, é normal precisar de um guia para relembrar ‘anda devagar’, porque até disso nos esquecemos".

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O esconderijo escolhido por Pedro Moreira, aluno do ICBAS Tiago Bernardo Lopes

Estar na natureza ou com a natureza?

O Shinrin yoku, que, numa tradução literal do japonês, significa “tomar um banho numa floresta”, é uma prática que remonta aos anos 80 do século XX no Japão, explica Nadja, e procura mitigar os efeitos do stress, ao desenvolver uma relação mais consciente com a natureza. “A ideia não é ir para um parque com auriculares, ou entrar pela natureza de bicicleta. A ideia é abrir os sentidos.” De forma poética, compara o exercício a “uma conversa — temos a natureza, somos natureza, e abrimo-nos suficientemente para perceber a natureza à nossa volta”.

A parceria com o ICBAS surge numa “linha de investigação que se centra nos efeitos decorrentes da natureza, incluindo os animais, sobre a saúde e sobretudo a saúde mental”, explica Karine Silva, uma bióloga que investiga estas práticas no ICBAS. Karine sublinha que procura promover “práticas que são cientificamente sustentadas e que possam beneficiar as pessoas”, evitando confinar “o conhecimento ao laboratório, ao meio académico” e que depois, na prática, “não se traduz em nada”.

A investigação na área, segundo Karine Silva, demonstra que os banhos de natureza têm “efeitos de redução na produção de hormonas de stress, que levam a um aumento de células que reforçam o sistema imunitário, que promovem uma melhoria no estado de humor e que restauram a nossa capacidade de atenção”.

Nadja Imhof , guia de banhos de natureza Tiago Bernardo Lopes
Karine Silva, bióloga Tiago Bernardo Lopes
Henrique Carvalho, director do ICBAS Tiago Bernardo Lopes
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Nadja Imhof , guia de banhos de natureza Tiago Bernardo Lopes

O ICBAS tem um “enquadramento estratégico que se define no conceito de uma só saúde”, diz Henrique Carvalho, director da faculdade, “o enquadramento do bem-estar humano e animal no meio ambiente”. Para isso, e como acredita que as instituições “têm uma responsabilidade de assegurar o bem-estar e pensar na saúde mental” da comunidade, desenvolve uma série de projectos neste sentido, incluindo os Banhos de Natureza, uma iniciativa que “é para continuar” e que espera que venha a crescer e a ter mais adesão.

A guia e fundadora do Go Wild, um projecto que promove actividades de ligação com a natureza, diz existirem benefícios para a saúde física e mental. “Física porque se mantém o corpo em movimento, de maneira suave, mas em movimento. Mas os benefícios que me interessam mais são a diminuição da ansiedade, do stress, dos níveis de cortisol.” Acrescenta ainda que a prática pode “ajudar a dormir melhor”.

A Go Wild organiza também banhos de natureza no Parque da Cidade do Porto e no Mindelo (Vila do Conde). A participação está sujeita a inscrição e ao pagamento de uma doação (o valor é escolhido na compra do bilhete).

Para Karine Silva, a maioria dos estudos realizados até agora tem-se focado no tempo que se passa na natureza, num sentido de “vamos perceber qual é a dose certa de natureza para podermos prescrever – aquele modelo biomédico, como se fosse um medicamento”, explica a bióloga, acrescentando que “actualmente começa a dar-se mais importância à ligação com a natureza, não só à quantidade de tempo”. Assim, torna-se crucial pensar em como passamos o tempo. E conclui: “Se formos para a natureza responder a e-mails de trabalho ou ter uma conversa chata ao telemóvel, no fundo, estamos na natureza, mas não estamos com a natureza...”

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