Sete destaques dos Dias da Dança

De Faye Driscoll a Tânia Carvalho, há muito para ver no DDD. De 18 a 30 de Abril no Porto, em Matosinhos e Gaia.

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Thank You For Coming: Space, de Faye Driscoll anna van waeg

Encantado

De Lia Rodrigues

Figura-chave da dança contemporânea brasileira, Lia Rodrigues abre a sétima edição do DDD - Festival Dias da Dança com a sua mais recente criação. Encantado “nasceu da vontade de usar a magia e o encantamento como guias do processo criativo”, disse a coreógrafa em entrevista ao Ípsilon.

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Encantado, de Lia Rodrigues sammi landweer

Na cultura afro-indígena brasileira, o termo “encantado” designa entidades que “atravessam o tempo e se transmutam em diferentes expressões da natureza” – o que se reflecte na partitura coreográfica do espectáculo, com os 11 performers a darem forma a seres, figuras, imagens e imaginários à medida que interagem com cobertores de cores e padrões distintos, conferindo uma dimensão plástica e visual à peça onde a cenografia, os figurinos e a coreografia servem o mesmo fio condutor. Rivoli, Porto, dias 18 e 19

Thank You For Coming: Space

De Faye Driscoll

Entre 2012 e 2020, a coreógrafa e performer americana Faye Driscoll criou uma trilogia ancorada nas possíveis relações, e variadas tensões, entre performer e público. Thank You For Coming: Space, o último capítulo desta série, em estreia nacional no DDD, é um solo participativo e multidireccional. Driscoll dribla a “solidão do processo criativo” envolvendo directamente os espectadores, que ao longo da performance vão assistindo a artista em diversas acções, num “requiem em movimento para o corpo humano”.

Num palco-instalação onde o corpo se intersecciona com objectos, voz e som ao vivo, a coreógrafa tacteia as ausências e as presenças através dos espectadores, aqui no papel de “activadores sensoriais”. Citando a própria: “Estou interessada no espaço desconhecido entre as coisas, entre entidades conhecidas, carregando isso e activando-o dentro do corpo.” Teatro Campo Alegre, Porto, dias 20 e 21

Pai para Jantar

De Gaya de Medeiros

Esta peça começou a ser germinada no festival do ano passado, no âmbito do programa DDD Guests, que serviu como plataforma de experimentação e partilha de processos de trabalho com o público. Apresentada agora na sua versão finalizada, é a terceira criação da artista brasileira residente em Lisboa e o seu primeiro trabalho a solo apresentado no Porto. Num jogo tripartido entre Gaya, o performer Gil Dionísio e o público, a criadora procura desenterrar conflitos e desconstruir arquétipos ligados à paternidade, à masculinidade e ao patriarcado, não só de um ponto de vista biográfico como colectivo – afinal, o assunto toca a todos e todas. Teatro Campo Alegre (Sala Estúdio), Porto, dias 20 e 21

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Pai para Jantar, de Gaya de Medeiros ALÍPIO PADILHA

Versa-vice

De Tânia Carvalho

Apresentando-se em dose dupla (com uma criação em estreia nacional e um concerto solo para piano e voz cuja primeira apresentação remonta a 2007), Tânia Carvalho promete voltar a deixar a sua inconfundível marca no DDD, robustecendo um historial de proximidade entre a sua obra e o público do Teatro Municipal do Porto. Versa-vice, a peça que em Março apresentou em primeira mão na Bienal de Dança do Val-de-Marne, em França, acompanhada por muitos dos seus mais dilectos intérpretes (Andriucha, Beatriz Marques Dias, Bruno Senune, Catarina Carvalho, Cláudio Vieira, Filipe Baracho, Luís Guerra, Matthieu Ehrlacher, Nina Botkay), retoma alguns dos temas e das formas que nos habituámos a associar a um dos mais notáveis corpos de trabalho do panorama da dança europeia contemporânea, elevando-os a um novo patamar de maturidade artística e coreográfica.

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Versa-vice, de Tânia Carvalho Rui Palma

A atracção pelos estados alterados da percepção, a disponibilidade para os labirintos mentais "induzidos" pelos abismos e pelos enigmas da matemática, a gramática expressionista do cinema mudo e cintilações de Fernando Pessoa articulam-se nesta criação movida (como sempre) pela potência do universo musical da coreógrafa, ampliando e expandindo explorações já empreendidas, por exemplo, em Onironauta (2020), filiação que Versa-vice não esconde. Complementarmente, Tânia Carvalho apresentar-se-á ao piano no Pequeno Auditório do Rivoli, no dia 24, com um pequeno bijoux musical (também ele um spin-off de Onironauta) que desvenda outra faceta desta criadora poliédrica. Rivoli (Grande Auditório), Porto, dias 22 e 23

Pechisbeque

De Ana Isabel Castro

Com Marengo, Ana Isabel Castro foi a revelação do DDD de 2019, surpresa que viria a ser renovada em 2021, com a sua segunda peça, Iceberg. Intrigante, ambivalente, hipnótica, a jovem bailarina e coreógrafa portuguesa tem desenvolvido um trabalho com uma cosmogonia muito própria, onde a erudição convive com o folclore, onde o pós-rock de Godspeed You! Black Emperor pode estar taco a taco com O Lago dos Cisnes de Tchaikovsky, onde iconografias de diferentes épocas e contextos são postas numa máquina trituradora do tempo e da história da arte. Neste DDD, Ana Isabel Castro estreia a sua terceira criação, Pechisbeque, um solo sobre “o valor que damos às coisas” e a procura incessante por algo melhor, abordando temas como a emigração e o trabalho. Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery, dias 22 e 23

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Pechisbeque, de Ana Isabel Castro Paulo Mariz

Só Eu Tenho a Chave Desta Parada Selvagem

De Mónica Calle

Com um título retirado de um poema de Arthur Rimbaud, um dos autores-fetiche de Mónica Calle, este novo espectáculo dá continuidade ao trabalho de pesquisa iniciado em Ensaio para Uma Cartografia (2017): a intersecção entre música e corpo numa coreografia onde a repetição e o esforço físico servem de gatilho para pensar e repensar ideias em torno de tópicos como resistência, união, sacrifício, fragilidade, imperfeição, perseverança e superação. Mas, desta vez, Calle fá-lo com um elenco masculino, composto por 17 intérpretes de idades e profissões distintas. “Os performers buscam o movimento, ora colectivamente, ora como indivíduos, insistentemente, como se não houvesse escapatória, apenas o esgotamento dos corpos, num reinício contínuo de um ciclo”, descreve a criadora.

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Só Eu Tenho a Chave Desta Parada Selvagem, de Mónica Calle Nurith Wagner-Strauss

O mote musical da peça é o registo de um ensaio de A Sagração da Primavera de Igor Stravinsky, conduzido por Leonard Bernstein, ao passo que a partitura coreográfica vai beber a Nijinsky e a Pina Bausch, com sequências “de fracasso, erro e tentativa, tão obsessivas quanto prazerosas”. Palácio do Bolhão, Porto, dias 27 e 28

Serei/Afrodiaspórica

De Dori Nigro

Performer e educador brasileiro residente no Porto, Dori Nigro está a preparar para o DDD uma performance-passerelle em que homenageia e vivifica a ancestralidade, a cultura e as religiões afro-brasileiras, celebrando as movimentações da diáspora africana no passado e no presente. Serei/Afrodiaspórica será uma passagem de modelos com roupas feitas de propósito para a ocasião, pelos alfaiates Ceciliana Barreto, Elaje Mane e Lass Bary, e pelas costureiras Manuela Santos e Estela Santos. A envergá-las estará um elenco de 14 performers afro-descendentes.

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Serei/Afrodiaspórica, de Dori Nigro Eddie Oleque Fernandez

No final do espectáculo serve-se comida típica das cerimónias religiosas do candomblé, preparada pela chef Ana Sales. Casa da Arquitectura, Matosinhos, dias 28 e 29

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