A mulher sozinha

“Estás sozinha?” Como quem diz: “Coitadinha…” Sozinha tem de ser coitadinha, tão abandonadinha, tristinha e pequenininha, com uma mantinha.

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"Estar só é, logo na definição, estar sem. Se uma mulher está só, há que preencher essa falta" Ali Karimiboroujeni/Unsplash

Nada desperta no ser humano tanta pena e simultânea vontade de agir como uma mulher sozinha. Quando pesquiso num banco de imagens “mulher sozinha”, aparecem-me fotografias de mulheres encostadas a vidros embaciados, a contemplar o horizonte, a abraçar uma almofada, a chorar, ou com a cara enterrada nas pernas ao fundo de um corredor.

Na nossa cabeça, a mulher sozinha ainda é a Bridget Jones, a comer uma caixa de gelado e a chorar ao som de “All by myself… don’t wanna be…

É muito difícil para tanta gente suportar, não a própria solidão, mas a solidão alheia. Num jantar com amigas percebi que estavam com pena de mim. “Estás sozinha?” Como quem diz: “Coitadinha…” Sozinha tem de ser coitadinha, tão abandonadinha, tristinha e pequenininha, com uma mantinha.

Da pena passou-se a um conluio para me ajudarem a acabar imediatamente com este flagelo, através de sugestões e palavras de incentivo: “Instala o Tinder.” “Vai ao bar X.” “Vai acontecer quando menos esperares.” Ainda não se tolera que alguém esteja sozinho sem estar desesperadamente à procura. Em algum lugar do nosso imaginário, uma mulher sozinha ainda é a mulher na torre a aguardar o cavaleiro.

“Só”, segundo o dicionário, é: "sem companhia.” Estar só é, logo na definição, estar sem. Se uma mulher está só, há que preencher essa falta. Quando penso na palavra “só”, penso numa idosa viúva vestida de preto que não sorri há 23 anos. Talvez por a palavra “só” ser tão pesada, tenhamos sentido a necessidade de amenizá-la, e de inventar o “sozinha”. Mas este diminutivo condescendente torna o termo ainda mais triste.

A verdade é que estar sozinha pode ser óptimo. Devia haver uma palavra para a solidão boa. Para quando não estamos minimamente tristes mas, pelo contrário, muito felizes e agradecidos por estarmos sozinhos. Talvez sózaça, sozona ou sozante.

Assim, sempre que estiver numa praça de alimentação a comer com phones e um livro, e algum conhecido se aproximar de mim, com a expressão compungida de quem vem resgatar um cão do canil, e disser: “Estás aí sozinha? Vem comer connosco!”, eu poderia transmitir a essa pessoa que não estou num estado de miserável solitude, mas sim da mais pura felicidade solitária. E que é penoso sair desse estado para me juntar a uma mesa cheia de gente e ter de fazer conversa de circunstância. Poderia dizer: “Ah, não, não! Achaste que eu estava sozinha? Nada disso, eu estou sózaça!”

A solidão pode ser tão boa. Pode trazer uma felicidade tão profunda e momentos de paz que nenhuma companhia traria.

Quando estou no sofá a ver uma série com uma taça de gelado, não tenho vontade nenhuma de chorar. Antes de cantar: “All by myself, I wanna be.

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