Regulador da saúde averigua limitações no acesso à interrupção voluntária da gravidez

Entidade Reguladora da Saúde espera, em Maio, ter o trabalho concluído para dar informação mais precisa sobre a realidade nacional aos decisores políticos.

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ERS criou um discriminador sobre restrições à interrupção voluntária da gravidez para catalogar reclamações especificas sobre o tema Rui Gaudêncio

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) está a fazer um estudo para averiguar possíveis limitações no acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVG). Já abriu um processo de monitorização, com pedidos de informação a todos os estabelecimentos oficiais que estão reconhecidos como aptos à realização desta intervenção, e espera, em Maio, ter o trabalho concluído para dar informação mais precisa sobre a realidade nacional aos decisores políticos, adiantou esta quarta-feira o presidente da ERS durante uma audição na comissão parlamentar da Saúde.

Na sequência de um requerimento apresentado pelo PS sobre eventuais restrições no acesso à IVG, António Pimenta Marinho, que assumiu recentemente o lugar de presidente do regulador da Saúde, explicou que entre uma das primeiras medidas já tomadas esteve a criação de um discriminador específico relacionado com a IVG. A medida, disse, permitirá “monitorizar mais em cima do acontecimento, em relação ao que acontecia”, as reclamações que chegam sobre este tema.

“A ERS tem discriminadores um pouco amplos no âmbito da ginecologia e da obstetrícia. Fruto deste levantamento que fizemos, alterámos os procedimentos e criámos um discriminador que é sobre restrições à IVG”, explicou Pimenta Marinho, que começou por dizer que tinham feito um levantamento de todas as reclamações que tinham chegado ao regulador, assim como denúncias e notícias sobre o tema. No âmbito desse discriminador mais alargado de ginecologia e obstetrícia, a ERS contabilizou 90 ocorrências em 2020 e 100 no ano seguinte.

Sobre reclamações em concreto relacionadas com o acesso à IVG não é possível ter uma contabilização exacta, mas têm chegado queixas ou denúncias à ERS, nem sempre feitas pelas mulheres, também num caso por profissionais de saúde. Pimenta Marinho salientou que muitas vezes as mulheres “têm reservas” em apresentar uma reclamação relacionada com esta situação, levando a que as queixas sejam poucas.

Salientando que a IVG “é um direito das mulheres consagrado na lei” e que esta “tem de ser cumprida”, o responsável referiu que, ao longo do tempo, a ERS “instaurou vários processos de avaliação, que em regra determinaram a emissão de instruções para corrigir o que estava mal na perspectiva do cumprimento da legislação e emitiu instruções para que as entidades pudessem corrigir as insuficiências ou ilegalidades”. Posteriormente, a ERS faz o acompanhamento da aplicação das recomendações e “verificou que as insuficiências foram colmatadas e estariam resolvidas”.

Das anteriores averiguações, grande parte dizia respeito a questões de articulação, disse o presidente da ERS, referindo que o actual conselho directivo determinou, no dia 9 deste mês, “fazer a abertura de um processo de monitorização para acompanhar, em todas as entidades, os procedimentos em vigor, para verificar se há limitação no acesso, envolvendo todas as entidades do SNS, Direcção-Geral da Saúde (DGS) e Ordem dos Médicos sobre a objecção de consciência para se ter uma visão global da situação”.

“Há muitas mulheres que podem não fazer queixa, mas pensamos que também com este levantamento vamos ter uma ideia real do que existe”, disse, acrescentado que será “um estudo mais aprofundado que possa servir de apoio à decisão dos decisores políticos”. “Pensamos que em Maio teremos o estudo concluído.” Também a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde está a fazer uma inspecção aos serviços do SNS que realizam IVG.

Sete processos de inquérito

Recentemente, o Diário de Notícias publicou várias notícias dando conta de limitações no acesso à IVG. Pimenta Machado referiu que, se existem unidades que não prestam este tipo de cuidado e não têm protocolos que permitam encaminhar a mulher para outra unidade pública ou privada, a lei não está a ser cumprida. Lembrou também que a mulher tanto pode recorrer aos centros de saúde como directamente aos hospitais para iniciar o processo de IVG. “Vamos fazer esse levantamento para ver se está a ser cumprido” e, se não, onde acontece.

Mariana Mota Torres, vogal da ERS, referiu que entre 2017 e 2022 realizaram “pelo menos sete processos de inquérito”, que “culminaram em noves instruções”, com maior incidência em 2018 e 2022, com os restantes anos a apresentarem uma reclamação, denúncia ou notícia. Da análise do historial, sobressaíram dois temas: “Restrições efectivas ao acesso nos casos em que a mulher procurou a IVG directamente num hospital e foi limitada com a justificação de que tinha de haver um encaminhamento prévio dos cuidados de saúde primários, e a segunda dificuldade foi de articulação entre os serviços.”

Relativamente às notícias divulgadas este ano, a vogal disse parecerem mostrar uma dinâmica diferente, de alegados constrangimentos mais alargados, mas que ainda não têm prova da situação. “Houve a iniciativa deste conselho de administração de determinar a abertura de processo de monitorização, que abarca todos os estabelecimentos oficiais que estão reconhecidos [para realizar o procedimento] do SNS e quatro privados que ainda contam desta listagem da DGS”, mas que não estarão todos a operar.

“Este processo assenta, em grande parte, em pedidos de informação e serão chamados a pronunciarem-se os Aces [Agrupamentos de Centros de Saúde], administrações regionais de saúde e DGS”, explicou Mariana Mota Torres, acrescentando que esperam assim recolher informação relevante relativamente a assimetrias regionais que possam existir, avaliar tendências e distância dos cuidados. “Outra frente desta intervenção é que, detectando efectivos constrangimentos, o regulador actuará imediatamente.”

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