Um terço dos hospitais públicos portugueses não faz interrupções voluntárias de gravidez

O Norte é a região de Portugal com o acesso mais facilitado, apenas o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa não disponibiliza o serviço. Interrupções voluntárias da gravidez registaram a maior queda em 15 anos.

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PAULO PIMENTA

Cerca de um terço dos hospitais portugueses não disponibilizam acesso a uma Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), são 13 num total de 45 hospitais. A notícia é avançada no semanário Expresso desta quinta-feira. De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS) disponibilizados ao jornal, 69,8% dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) realizam este tipo de consulta, mas há distritos inteiros em que o acesso a um aborto falha.

Na última sexta-feira a DGS revelava o Relatório de Análise Preliminar dos Registos das Interrupções da Gravidez (2018-2021) que dava conta da manutenção de uma tendência de decréscimo no número de abortos até às dez semanas de gravidez, por vontade da mulher, desde 2011. A maior queda aconteceu de 2020 para 2021: ainda que provisórios, os dados dão conta de uma redução de pouco mais de 2100 interrupções de gravidez.

No mesmo documento, a autoridade de saúde informava ainda que o acesso à IVG não tinha sido condicionado pela pandemia. “Desde o início da pandemia que os serviços de saúde foram informados (por orientação da DGS – 018/2020) de que a interrupção da gravidez devia ser assegurada, tendo existido por parte dos serviços uma reorganização nesse sentido.” Contudo, os números agora revelados pelo Expresso mostram que esse acesso é, sim, condicionado, mas por não estarem disponíveis opções no sistema público de saúde.

No interior do país, e em outros pontos, o caminho para fazer um aborto não é o mesmo que no litoral. O Norte é a região de Portugal com o acesso mais facilitado, apenas o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa não disponibiliza o serviço. Mais abaixo, no Centro, as Unidades Locais de Saúde da Guarda e de Castelo Branco também não fazem IVG. Por exemplo, de Beja a Portalegre o serviço é escasso e as mulheres que voluntariamente queiram abortar têm de se deslocar à capital ou a Faro, no Algarve. No Alentejo, apenas o Hospital José Joaquim Fernandes faz interrupções de gravidez (num total de quatro hospitais na região). No Algarve uma mulher pode iniciar o processo de interrupção da gravidez em qualquer um dos dois hospitais do Centro Hospitalar Universitário do Algarve.

Já na região de Lisboa e Vale do Tejo são seis os estabelecimentos que não têm o serviço disponível: os Centros Hospitalares do Oeste (três hospitais), de Lisboa Ocidental (Hospital São Francisco Xavier) e de Setúbal (Hospital de São Bernardo); e os Hospitais de Santarém; Cascais; Professor Doutor Fernando Fonseca.

Já no no Hospital de Santa Maria, o maior do país, estes procedimentos são assegurados com recurso aos médicos que não são objectores de consciência, que são apenas seis, segundo informação enviada ao PÚBLICO. Nos últimos três anos, só em 2020, no primeiro ano da pandemia, é que o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) - que inclui o Hospital de Santa Maria, teve de recorrer em parte ao sistema privado, como a Clínica dos Arcos (que desde 2017 é responsável por cerca de um terço das IVG em Portugal, conforme o PÚBLICO escreveu em Fevereiro último). Nesse ano, foram realizadas 791 IVG através do CHULN mas 391 delas foram encaminhadas para o privado. Assim foi, diz o centro hospitalar, “por razões de contingência relacionadas com o impacto nos serviços de saúde da pandemia de covid-19”. Ainda assim, “mesmo nesse ano, a maioria (51%) das IVG foram realizadas no CHULN”, salienta. Aliás, no ano anterior (2019), o centro realizara 838 sem ter de recorrer ao serviço convencionado e assim voltou a ser em 2021 com 723 IVG todas feitas no CHULN.

Na Região Autónoma dos Açores há constrangimentos e só o Hospital da Horta, na ilha do Faial, tem consulta de IVG, que depende da “deslocação e disponibilidade presencial de um médico especialista (externo)”, refere a autoridade de saúde citada no jornal. Se o profissional de saúde não puder, como acontece para os outros dois hospitais do Arquipélago (o de São Miguel e o da Terceira), “o procedimento é referenciar as utentes para uma unidade privada de saúde localizada em território continental”, acrescenta a DGS. Mas não especifica qual nem esclarece se as despesas de deslocação e de estada na capital são asseguradas.

Fazer uma IVG no SNS pressupõe um serviço gratuito. Contudo, feitas as contas, uma mulher que queira abortar e resida numa região do país em que não tem acesso a essa possibilidade, por exemplo, na Ilha Terceira, terá de pagar do próprio bolso a deslocação. Além disso, há três dias obrigatórios de reflexão entre a primeira consulta e a interrupção, o que acarreta também custos de estadia.

Em 2021, mais de 600 mulheres provenientes de Portugal foram abortar a Espanha, sendo as clínicas mais próximas da fronteira, como as de Badajoz e de Vigo, as mais procuradas.

Texto corrigido às 12h de sábado. Ao contrário do que era inicialmente referido, a realização de IVG não está suspensa no CHULN, tendo sido incluídos no artigo dados referentes a estes procedimentos feitos em 2019, 2020 e 2021.

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