Alterações à lei laboral: negativas e perigosa

São várias as pontas soltas que a Agenda deixa para o tecido empresarial português e para os trabalhadores responderem, na prática.

A Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho foi aprovada no passado dia 10 de Fevereiro, correspondendo, em poucas palavras, ao oferecimento de uma resposta legislativa a problemáticas estruturais conexionadas, breviter, à dignificação do trabalho e à concomitante protecção dos trabalhadores.

Efectivamente, o combate à precariedade, a melhoria dos rendimentos dos trabalhadores, a mobilização de novos instrumentos de estímulo à negociação colectiva e à prevenção de vazios negociais, a promoção de uma mais equilibrada conciliação entre vida profissional, familiar e pessoal e a resposta às mudanças no trabalho induzidas pela transição digital, bem como o reforço dos serviços públicos da área laboral e da segurança social apresentam-se como as aclamadas bandeiras da Proposta de Lei n.º 15/XV.

O debate em torno da Agenda tem promovido o confronto de diversas posições: desde as mais extremistas às mais contidas, das mais revolucionárias às mais conservadoras e das mais saudosistas às mais vanguardistas. Contudo, tendo em conta que a Agenda foi aprovada na sequência de mais de trezentas propostas de alteração, creio que, sem deixar de recordar o que deveria ter sido, incumbe-nos encará-la pelo que é, “enaltecendo” o escasso progresso ao mesmo tempo que se identificam as fragilidades da mesma de um ponto de vista da antecipação daquele que será o futuro da lei laboral.

No que diz respeito a este último vector, são, com efeito, várias as pontas soltas que a Agenda deixa para o tecido empresarial português e para os trabalhadores responderem na prática, quer numa perspectiva da própria dinâmica da relação laboral e sua cessação, quer num ponto de vista da fragilização dos direitos dos próprios trabalhadores.

É um exemplo notório o da presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, a qual requer uma reflexão profunda sobre o seu impacto real, quando falamos, tendencialmente, de trabalhadores cujos rendimentos não permitem um acesso facilitado e imediato ao sistema judicial português para verem reconhecidos os seus contratos de trabalho. Isto sem olvidar que o novo artigo 12.º-A assenta num duplo ónus da prova, assim como que afasta a possibilidade de o julgador percepcionar directamente determinados elementos integrantes da presunção. A eficiência do artigo 12.º-A é, efectivamente, questionável, sendo baseado numa lógica de estrita recondução da relação inter partes ao paradigma do regime central da prestação de trabalho, ao mesmo tempo que é confundida a plataforma digital com a própria pessoa que a opera.

Recordo ainda a impossibilidade de extinção de créditos laborais por remissão abdicativa, que, em teoria, representa uma tomada de posição garantística e protectora da prerrogativa de o trabalhador intentar acção judicial contra a sua entidade empregadora peticionando créditos laborais, porém, na prática, pode muito bem afigurar-se como um entrave à cessação de contrato de trabalho por acordo das partes. Afinal, numa perspectiva de gestão empresarial, para quê apurar os montantes devidos e proceder à respectiva liquidação se, ad futurum, o trabalhador pode muito bem vir reclamá-los? A retirada à entidade empregadora de um instrumento potenciador da conciliação no momento da cessação acarretará, naturalmente, um aumento significativo da litigância judicial, sempre acompanhada de um acréscimo da morosidade num ponto de vista processual.

Igual entrave à vontade consensual de ambas as partes na relação laboral representa a questão da compensação por despesas adicionais com o teletrabalho, a qual vem criando nas empresas um determinado temor no que concerne à aceitação de propostas de prestação de teletrabalho por iniciativa dos trabalhadores. Isto sem deixar de enaltecer, naturalmente, a equiparação do regime aplicável ao subsídio de refeição tão reclamada pela doutrina juslaboralista portuguesa desde o advento da Lei n.º 83/2021, de 6 de Dezembro.

Ao mesmo tempo, apesar da proclamação de ponderosas alterações ao regime do trabalho suplementar, não se pode deixar de mencionar que os acréscimos que passarão a ser previstos destinam-se apenas e tão-só ao trabalho prestado em duração superior a 100 horas anuais, o que não só não beneficia toda uma globalidade de trabalhadores, como representa um verdadeiro vazio quando falamos de um universo empresarial em que os registos de trabalho suplementar são, por vezes, inexistentes.

Ao sobredito acrescem estranhas e ousadas opções legislativas, como a da existência de um direito a desenvolver actividade sindical em empresas onde não existam trabalhadores filiados e a da manutenção do problema reiteradamente ignorado pelo nosso legislador da devolução da compensação atribuída pela entidade empregadora para sindicar a cessação do contrato de trabalho. Particularmente peculiar é, igualmente, a obrigação imposta à Autoridade para as Condições do Trabalho de participar os factos concernentes à situação de despedimento ao Ministério Público para fins de instauração de procedimento cautelar, caso a entidade empregadora não regularize a situação num prazo, pasme-se, de cinco dias. Trata-se de opções que, de facto, merecem o nosso cepticismo e preocupação.

Resta aguardar a exposição empírica das relações laborais passadas, presentes e futuras aos testes carreados pela “Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho” e suas fragilidades, na esperança de que no limbo entre o benefício e o prejuízo vença o primeiro. Todavia, e atendendo às mais recentes alterações existem razões para sermos descrentes e para anteciparmos um aumento exponencial de litígios laborais.

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