Colapso do Silicon Valley Bank pode atrasar transição energética

Estima-se que cerca de metade das startups que trabalham em energias limpas nos EUA tivessem fundos neste banco. O futuro continua incerto.

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O banco Silicon Valley é especializado em empréstimos para empresas de tecnologia DADO RUVIC/REUTERS

O colapso do Silicon Valley Bank pôs desafios não só para o sistema bancário norte-americano, mas também para a agenda climática da Administração Biden, depois de um fim-de-semana em que muitas das principais empresas de tecnologias limpas enfrentaram a insolvência.

Apesar de o Governo federal ter intervindo e permitido que os investidores e fundadores das empresas tenham acesso aos seus fundos, este episódio trouxe-lhes um cenário desafiante e incerto.

Há quem tenha a preocupação de que este acontecimento possa resultar numa maior precaução por parte dos investidores neste sector dominado por startups pioneiras com poucos recursos económicos, abrandando a inovação nas energias limpas, ao mesmo tempo que o Governo se foca em aplicar o Inflation Reduction Act, o histórico pacto climático que o Presidente assinou no Verão passado.

“Parece que acabámos de evitar o apocalipse”, disse Jim Kapsis, um antigo conselheiro no Departamento do Tesouro e fundador do Ad Hoc Group, com que acompanhou dezenas de startups de tecnologia climática. “Eu acredito que toda a gente vai fazer uma pausa durante algum tempo para ver como o panorama se desenrola. Muitas empresas acabaram de ter uma experiência existencial que podia ter resultado na morte maciça do portefólio das suas startups.”

Empresas de tecnologias limpas e gestores de fundos de capital de risco estão a avaliar como seguir em frente depois do que foi, para alguns, a semana mais desafiante da sua existência. Segundo os analistas e investidores, cerca de metade das startups que trabalhavam para desenvolver e melhorar as mais recentes tecnologias de energias limpas estavam relacionadas com a instituição falida. Algumas tinham fechado novas fases de financiamento no dia anterior à falência e ficaram impossibilitadas de aceder às contas onde os milhões de dólares de investimento tinham sido depositados.

A falência deu também força às contracorrentes políticas que questionam o investimento climático. Legisladores e especialistas conservadores avançaram com uma narrativa de que os clientes do banco eram imprudentes e financeiramente instáveis, apesar de a maioria serem empresas solventes que simplesmente “estacionavam” o seu dinheiro naquele local.

O banco era um dos preferidos das empresas de tecnologias limpas já há algum tempo, porque tinha um conhecimento profundo do mercado e das sofisticadas ferramentas de financiamento que são específicas desta indústria.

“Era o banco preferido das startups de tecnologias limpas”, disse Leah Ellis, CEO e co-fundadora da Sublime Systems, uma startup lançada a partir do Massachusetts Institute of Technology que se concentra na descarbonização da produção de cimento.

“Muitos dos meus colegas eram daquele banco. Eram muito bons colegas. Percebiam qual o tipo de produtos de que precisávamos. Patrocinavam eventos. Eram uma parte importante da comunidade das tecnologias limpas.”

O banco Silicon Valley Bank foi também fundamental para ajudar a lançar projectos comunitários de energia solar, disponibilizando empréstimos complicados a pequenos empreendimentos, que a maioria dos grandes bancos consideravam demasiado complexos para financiar. Antes da falência, o banco constatou orgulhosamente que ajudou a financiar 62% dos projectos solares comunitários na América.

Os investidores esperam que a injecção de centenas de milhares de milhões de dólares com dinheiro público do Inflation Reduction Act ajude a atenuar as consequências do colapso bancário, restaurando rapidamente a confiança no mercado das tecnologias limpas. Alguns parceiros de empresas de capital de risco com portefólios nas tecnologias limpas caracterizaram a falência do banco como um obstáculo na estrada que será fácil de superar neste momento de forte procura de inovações climáticas.

No entanto, muitos no sector admitem estar agitados e ansiosos com o que está para vir.

“É difícil dizer o que isto significa a longo prazo”, disse Michael Sachse, chefe executivo da Dandelion Energy, uma startup focada em instalar bombas de calor geotérmicas. “Nós vamos reunir-nos novamente dentro de uns dias e ver como nos sentimos, quando estivermos com a cabeça mais leve.”

Uma semana traumática

A Dandelion está a recuperar de uma semana traumática. “Estávamos a enfrentar uma calamidade [, se quem tinha dinheiro no banco não tivesse sido apoiado pelo Governo federal], disse.

Sachse tinha acabado uma apresentação na CERAWeek, uma grande conferência de energia em Houston, e estava a regressar a Washington, quando soube que o banco SVB estava em queda livre. Passou o voo de regresso a trocar mensagens com advogados e colegas de trabalho e a avaliar freneticamente se a Dandelion podia tirar o seu dinheiro da conta. Na altura em que os advogados da empresa autorizaram a retirada dos 40 milhões de dólares (cerca de 37,2 milhões de euros), os fundos já tinham sido congelados e o banco encerrado.

Foi pouco tempo antes do dia de pagar aos funcionários, e Sachse passou o fim-de-semana ao telefone a alinhar formas de conseguir garantir os salários dos trabalhadores. “O nosso foco passou de olhar para os próximos três meses para perceber como íamos sobreviver àquela semana”, disse.

O pânico tinha-se alastrado às empresas de capital de risco. “Se o nosso portefólio ceder, estamos feitos”, afirmou um sócio de uma empresa de investimento de risco com um grande portefólio de tecnologias limpas – metade das suas empresas eram do Silicon Valley Bank. “Isto vai fazer com que as empresas de capital de risco fiquem hesitantes daqui para a frente”, disse uma fonte que pediu para não ser identificada para que pudesse falar francamente sobre o impacto na empresa.

Mas, neste momento, a maioria dos fundadores de startups de energias limpas estão aliviados por o seu negócio ter vivido mais um dia.

Whit Fulton contou que começou a chorar no domingo à noite, quando soube que o Governo federal ia garantir o dinheiro que a sua pequena empresa de tecnologia solar da Filadélfia tinha em Silicon Valley.

A startup, chamada ConnectDer, tinha trabalhado durante um ano para garantir 40 milhões de dólares investidos em tecnologia que torna mais fácil a medição do uso de energia solar em residências. Quando o dinheiro finalmente chegou, foi depositado no Silicon Valley Bank.

Dois dias mais tarde, esse dinheiro, juntamente com todo o dinheiro da empresa, parecia ter desaparecido. “Quando soube que fomos reembolsados, andei à chuva durante uma hora, enquanto chorava de alívio”, contou Fulton.

O que vai acontecer a seguir na indústria é uma questão em aberto. Alguns investigadores argumentam que o abalo pode tornar o mercado das energias limpas mais estável, à medida que o sistema é fortalecido para evitar outro colapso.

“O fim do SVB significa, provavelmente, que muito mais gente vai ter de novo em conta a sabedoria e as falhas (do capital de risco)”, disse num email Shaun Abrahamson, sócio-gerente na Third Sphere, uma empresa de capital de risco focada em tecnologia climática.

E não é o único no mundo do investimento ansioso por aprender com o que aconteceu ao SVB.

“Temos de evitar ser demasiado pessimistas”, disse Peter Davidson, que geria o Energy Department’s Loan Program Office na Administração Obama e que é agora CEO da Aligned Climate Capital. “Parte do que o Silicon Valley fez foi ajudar o mundo a perceber quão presente é a tecnologia em soluções de energias limpas. No entanto, existe agora uma grande variedade de financiadores na economia verde e a maioria dos bancos comerciais passou a ter departamentos dedicados aos empréstimos ‘verdes’.”

Na pior das hipóteses, isto é um desvio temporário na concessão de empréstimos, observou Peter Davidson.

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