Dez anos de Papa Francisco: “Não tenham medo de chorar nem de rir”

“Precisamos de paz”, repetiu o Papa argentino num podcast gravado para assinalar os dez anos da sua eleição. “A palavra que me ocorre? Ontem, parece que foi ontem.”

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Uma imagem de Março de 2018 e um gesto habitual desde os primeiros dias de Francisco como Papa Reuters/GUGLIELMO MANGIAPANE

Dez anos depois, a guerra é aquilo em que pensa quando lhe pedem para escolher o que de pior viveu, e a “paz” o presente que gostaria de receber neste aniversário. Dez anos e 40 viagens depois, surpreende quando lhe perguntam por uma memória especial: o “encontro com os velhos na Praça” de S. Pedro, uma audiência com avós de todo o mundo, em 2014. Dez anos de um pontificado que começou com desejos de “boa-noite”, as palavras simples de um homem que quis aproximar a Igreja dos fiéis mantêm-se como o traço mais forte do Papa que desde o primeiro dia pede “rezem por mim”.

“O que é um podcast?”, perguntou, no domingo ao início da noite, na sua residência. “Bem, façamo-lo”, disse, ouvidas as explicações e antes de começar a conversa com que o Vatican News, o jornal digital do Vaticano, quis assinalar o décimo aniversário da eleição de Jorge Mario Bergoglio. Um "Popecast", chamou-lhe o site, publicado nesta segunda-feira.

O Iraque foi uma experiência “muito bonita”, afirmou Francisco, lembrando a primeira viagem de um Papa à “Terra de Abraão”, há dois anos. Mas “o mais belo foi o encontro na Praça [de S. Pedro] com os velhos, os velhos são sábios e ajudam-me tanto”, disse. “Os velhos são como o bom vinho, que tem aquela história amadurecida. Os encontros com os velhos a mim rejuvenescem-me, tornam-me mais jovem, não sei porquê”, justificou.

E se os velhos foram “o mais belo”, o mais feio só poderia passar pela guerra que não largou esta década. “Os momentos maus foram alguns, mas queria referir uma síntese de momentos maus sobre o mesmo tema”, explicou. “Começou na Apúlia, num cemitério da guerra; vivi-o em Anzio, o cemitério americano da guerra onde dei missa, a 2 de Novembro [de 2017]; e depois vi-o nas comemorações do 75.º aniversário do desembarque na Normandia, quando todos os chefes de Governo comemoravam, e pensei que tinham ficado naquelas praias 20 ou 30 mil rapazes”, descreveu.

“Penso nas mães que recebiam uma carta: ‘Senhora, tenho a honra de lhe dizer que é a mãe de um herói…’ A carta, a medalha, mas o filho já não existe”, disse. “Isso faz-me sofrer tanto.”

Se o mundo lhe quisesse oferecer uma prenda, o que pediria? “A paz, claro”, respondeu, reafirmando uma ideia que exprimiu em várias entrevistas publicadas nos últimos dias. "Precisamos de paz", já respondera, questionado pelo jornal italiano Il Fatto Quotidiano sobre um desejo para o futuro, “a paz, a paz para a Ucrânia martirizada e para todos os outros países que sofrem o horror da guerra”.

E não, Francisco não esperava ser Papa no regresso da guerra à Europa. “Pensava que o que estava a acontecer na Síria seria uma coisa única, mas depois veio o Iémen, depois vi a tragédia dos rohingya na Birmânia…”, enumerou. “Faz-me sofrer ver os mortos, os jovens – tanto russos como ucranianos, não importa – que não regressam”, insistiu.

A fazer lembrar as suas primeiras intervenções depois do conclave que selou o seu futuro, quando espantava ao falar de “bondade” e “ternura”, mas também quando sorria demoradamente perante todos os que o queriam saudar, Francisco respondeu “fraternidade, choro e riso” ao pedido para pensar em “algo mais pessoal: três sonhos para a Igreja, para o mundo e para quem o governa, para a humanidade”.

Fraternidade, choro e riso, então. “A fraternidade humana, somos todos irmãos, então [é preciso] recompor a fraternidade humana; e aprender a não ter medo de chorar e de sorrir, quando uma pessoa sabe chorar e sabe rir é uma pessoa que tem os pés na terra e o olhar no horizonte, no futuro”, apontou. “Quando uma pessoa se esqueceu de chorar, há qualquer coisa que já não funciona, e quando se esqueceu de sorrir, é ainda pior. Não tenham medo de chorar nem de rir.”

Para além da publicação do podcast, como lhe chamou o Vatican News, o dia do aniversário foi assinalado apenas com uma missa com os cardeais na capela da Casa Santa Marta, a residência que partilhara com os outros cardeais durante o conclave em que foi escolhido, onde vivem padres e bispos que trabalham no Vaticano, e onde Francisco escolheu ficar – abdicando do apartamento que lhe estava destinado no Palácio Apostólico, para assim “viver entre as pessoas”.

Dez anos numa palavra? “A palavra que me ocorre... Ontem, parece que foi ontem”, afirmou ainda, no podcast. No fim, questionado sobre o que diria perante as inúmeras mensagens de agradecimento e parabéns recebidas, comentou: “Obrigado a vocês, que são tão bons para mim, continuem a rezar por mim.”

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