Bakhmut, uma batalha “completamente eficaz” para encurralar as melhores tropas russas

Ucrânia sofre pesada baixas em Bakhmut, mas impõe perdas ainda maiores à Rússia. Pelo meio, sacrifica soldados mal preparados enviados para combater no “inferno absoluto”.

Foto
Familiares de Dmytro Kotsiubailo, antigo voluntário que se tornou comandante admirado, morto em combate em Bakhmut Reuters/VIOLETA SANTOS MOURA

Entre sinais de retirada iminente e garantias de que Bakhmut é para segurar até ao fim, a decisão de continuar a defender esta pequena cidade da região de Donetsk, no Donbass, tem sido alvo de repetidas análises. Estratégia, simbolismo, política? Erro? Os chefes militares ucranianos já tinham apontado as enormes perdas infligidas aos russos como principal motivo. Agora, Kiev acrescentou mais um dado: não só as baixas são elevadas, como os soldados que a Rússia perde na mais longa batalha desta guerra são os seus melhores.

“A Rússia mudou de tácticas e juntou em Bakhmut grande parte do seu pessoal militar treinado e o que resta do seu exército profissional, além das empresas privadas”, afirmou Mykhailo Podolyak, conselheiro do Presidente Volodymyr Zelensky, numa entrevista publicada esta sexta-feira no jornal italiano La Stampa.

“Portanto, nós temos dois objectivos, reduzir o seu pessoal capaz ao mínimo possível e fixá-lo numas poucas batalhas cansativas, interrompendo a sua ofensiva e concentrando os nossos recursos noutro lugar, para a contra-ofensiva da Primavera”, explicou Podolyak. Ao mesmo tempo, priva-se a Rússia da vitória de que tanto necessita. “Hoje [a batalha de] Bakhmut é completamente eficaz, superando até as tarefas que deveria cumprir”, concluiu Podolyak. “Neste momento, tendo em conta a dimensão extraordinária das baixas russas, usar Bakhmut para permitir que os russos se empalem é a melhor opção”, reforça o general David Petraeus, ex-director da CIA, citado pelo jornal digital Politico.

Não há números oficiais de mortes, mas serão dezenas de milhares dos dois lados. Kiev diz que Moscovo perde sete soldados por cada morto ucraniano; segundo a NATO, a relação é de cinco para um.

No terreno, do lado ucraniano, as descrições de Bakhmut não variam muito: um “verdadeiro inferno”, como disse um militar na linha da frente à AFP, ou o “inferno absoluto”, chamou-lhe o comandante Volodomyr Nazarenko em declarações à televisão ucraniana. Sob ataque de três lados, e a combater num contexto urbano entre lama permanente (quando não chove, neva), contra o que aparenta ser um exército inesgotável, as forças ucranianas contam com cada vez menos vias de abastecimento.

"Não há apoio"

Nas trincheiras, nem todos mantêm o discurso optimista dos políticos. Um comandante com tropas nos arredores da cidade disse ao The Wall Street Journal que a Ucrânia “está a usar demasiado do seu potencial de ofensiva” antes da Primavera, quando se esperam reforços importantes de equipamento, munições e caças. Para outros, são as baixas que tornam impossível aceitar uma retirada: “O quê! Desistir? Eu voltei com cinco homens em 20, contando comigo, há dois dias”, disse Volodymyr, um comandante de campo, ao jornal The Guardian.

Mas dezenas de soldados a combater em Bakhmut ou em redor da localidade contaram ao jornal Kyiv Independent como ali se chega sem experiência e como se permite que “a artilharia, os veículos de infantaria e os blindados de transporte de pessoal russos ataquem as posições ucranianas durante horas ou dias sem serem atacados por armas pesadas ucranianas”. Também se “queixam de fraca coordenação” ou de “uma extrema escassez de munições”.

“Podemos ser atacados durante três horas, esperamos por apoio, não há apoio”, contou Serhiy, um soldado, durante uma curta visita a Kostiantynivka, cidade a 30 quilómetros. “Dizem-nos para aguentar, que enviarão apoio em meia hora, uma hora. Sete horas depois, nada.” Em relação à falta de munições, Illia, membro da Guarda Nacional Ucraniana, dá um exemplo: “Quando recebemos munições, são dez projécteis por dia, de 120 milímetros. Isso chega para um minuto de trabalho.”

E contra centenas de milhares de russos, entre homens sem experiência e os que integram as melhores unidades russas, como diz Kiev, “muitos soldados dizem que as tropas em Bakhmut mal tiveram tempo para aprender a disparar” antes de ali chegarem. “Duas semanas de treino real e somos enviados para aqui. Não pode ser”, disse Serhiy. “Quando vamos para as nossas posições, as probabilidades de sairmos dali vivos nem sequer são de 50/50. É mais 30/70.”

Sugerir correcção
Ler 7 comentários