Num país de sedentários, é preciso pormo-nos a mexer

Aposto que nesta semana, em que choveu muito, a grande maioria das crianças do jardim infantil em diante passou os intervalos entre quatro paredes.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

Não se passam mais de cinco minutos sem que se veja ou oiça algo sobre o corpo da mulher. Somos supostos estar mais livres, mas, na verdade, o corpo feminino continua a estar no centro de todas as conversas. E continua-se a fazer uma lavagem cerebral às adolescentes com listas de dietas e ginásticas, agora muitas vezes disfarçadas de bio/superfoods, e nomes que tais, mas que obedecem à mesma ditadura: controlo e estética.

Simultaneamente, obrigamos estas crianças e jovens a ficarem sentados na escola pelo menos seis horas por dia, muitas vezes desde a pré-primária. O que tem o efeito de os impedir de sentir o prazer e os benefícios de mexer o corpo. Pior, ficam em baixo de forma, tornando o exercício físico mais difícil, mais doloroso, e fonte de menor satisfação.

Os dados revelados pelos estudos são de arrepiar os cabelos — o Eurobarómetro coloca-nos a liderar os países onde as pessoas fazem menos exercício, com 80% dos jovens, sobretudo as raparigas, a confessar que não praticam qualquer atividade física. E vai piorando com a idade.

Mãe, está a perceber onde é que quero chegar? Criamos-lhes um problema grave e, depois, culpabilizamo-los não só pelas consequências, mas por não o resolverem. E o aconselhamento que lhes damos é invariavelmente pela negativa, as soluções são sempre de restrição, de cortar calorias, em lugar de lhes mostrarmos como é fantástico mexer e exercitar o corpo. Como é maravilhoso sentirmo-nos fortes e capazes. Como ajuda a dormir melhor. Como nos impede de sentir tanto frio, e nos ajuda a contornar os efeitos das síndromas pré-menstruais e outros saltos hormonais do género. Como nos ajuda a lidar com a ansiedade, a combater o isolamento.

Mas, como em tudo, não tenho dúvida nenhuma de que a mudança começa pelo exemplo. Por isso vamos começar por nós, mães e avós, mas também as professoras! Quando conseguirmos subir as escadas sem ficarmos ofegantes, quando o exercício regular nos devolver a energia e formos capazes de brincar mais com eles, de ir a pé em lugar de levar o carro, de trazer os sacos das compras sem nos arrastarmos, vamos lembrá-los de que é consequência de levarmos mais a sério o exercício físico. Que sim, é coisa de mulheres!

Assim, os mais pequeninos vão crescer a copiar-nos, e nunca se desligarão do corpo, e os maiores vão recuperar um estilo de vida mais saudável.

Querida Ana,

Falaste-me em estatísticas, e fui logo espreitá-las, e percebi que só nos contaste meio filme. Somos mesmo um país de sedentários — enquanto por cá 73% dizem não ter nenhuma atividade física ou fazer desporto, a que se somam mais 5% que raramente o praticam, na Finlândia, por exemplo, são 71% os que se mexem. Nos antípodas, portanto.

Ou seja, a desculpa não pode ser o clima, nem o frio, nem o calor, mas, como tu dizes, o exemplo das famílias e, claro, das escolas. O que me leva a uma luta antiga, a luta por mais e melhores recreios: aposto, aposto que nesta semana, em que choveu muito, a grande maioria das crianças do jardim infantil em diante passou os intervalos entre quatro paredes, porque não há recreios tapados, porque não mandamos os nossos filhos com botas de borracha, calças e casacos de chuva e à mínima desculpa fecham-se as portas das celas. E se a escola as abrisse, vinham provavelmente mil pais queixar-se.

O resultado é aquele que o professor Carlos Neto anuncia: menos horas no pátio do que os prisioneiros, que ainda têm direito a duas por dia. Com as consequências que estão à vista: mais excesso de peso, menos autonomia, menos noção do corpo, com tudo o que isso implica.

E sempre com as raparigas a perder — quando chegam à pré-adolescência começam a afastar-se dos rapazes, deixam de saltar à corda ou de jogar à apanhada e alapam-se em grupo à conversa durante os intervalos. Começam a faltar às aulas de educação física, envergonhadas por mostrarem um corpo que não consideram perfeito — e tens razão, o corpo ideal está mais omnipresente do que nunca —, e largam os desportos que praticavam. Eles ainda vão jogando futebol.

Não é seguramente pior do que acontecia no meu tempo, e provavelmente também no teu, mas o que nós queremos é um mundo melhor, por isso, sim, vamos lá dar o exemplo. Como em quase tudo, a mudança passa pelas mães! E pelas avós — eu já anunciei às gémeas que daqui a seis anos vou celebrar os 18 anos delas a dançar a noite toda numa discoteca, por isso tenho de me começar a preparar.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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