Jornalistas absolvidos do crime de violação do segredo de Justiça

Carlos Rodrigues Lima, actualmente jornalista na Visão, foi julgado por três crimes de violação de segredo de justiça. Henrique Machado, que está ao serviço da TVI e CNN, respondeu por um.

Foto
O julgamento do processo em que dois jornalistas estavam acusados de violação do segredo de justiça decorreu no Campus da Justiça, em Lisboa Rui Gaudêncio

Os jornalistas Carlos Rodrigues Lima e Henrique Machado foram esta terça-feira absolvidos em tribunal do crime de violação do segredo de justiça.

Em causa, neste processo, está a divulgação de informações sobre os processos E-Toupeira, e-mails do Benfica e Operação Lex. Carlos Rodrigues Lima, actualmente jornalista da Visão, respondeu por três crimes de violação de segredo de justiça e Henrique Machado, que está ao serviço da TVI e CNN, respondeu por um.

A juíza considerou que as notícias escritas pelos jornalistas não prejudicaram as investigações em curso, apesar de dar como provado que ambos os jornalistas, tidos como “muito experientes” na área da justiça, sabiam que os processos, pelo seu teor e pelas pessoas que envolviam, estariam em segredo de justiça.

Porém, para a juíza, os jornalistas apenas cumpriram o seu dever de informar e não tiveram intenção de violar esse segredo de justiça. “Quiseram cumprir o dever de informar os leitores agindo de acordo com a liberdade de imprensa”, afirmou, acrescentando que o fizeram com “rigor e responsabilidade”.

A magistrada entendeu também que as declarações de Carlos Lima e Henrique Machado durante o julgamento foram "muito relevantes, porque conseguiram explicar de forma pormenorizada as notícias que escreveram, a investigação jornalística que levaram a cabo e o interesse público dos casos em causa, que têm a atenção da sociedade, sobretudo quando envolvem justiça e desporto”.

A juíza valorizou a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, mas fez questão de sublinhar que estes direitos podem entrar em conflito com o segredo de justiça. “Perante estes direitos conflituantes, cabe ao tribunal ver caso a caso e analisar se as notícias causaram prejuízo ou não à investigação”, disse.

“Vitória do jornalismo”

À saída do tribunal, Carlos Lima afirmou que “foram precisos dois anos para se perceber que o trabalho dos jornalistas é um trabalho válido, essencial numa sociedade democrática, como disse a juíza, e que as notícias em causa tinham um inegável interesse público”.

“Perante tudo o que se passou neste processo, com todas aquelas medidas ilegais que colocaram em cima de nós, penso que é uma vitória do jornalismo para continuarmos a trabalhar todos, sempre tendo atenção e ponderação, mas também sem nos deixarmos intimidar por posições que o Ministério Público toma, como abrir-nos processos por violação de segredo de justiça e desobediência”, afirmou o jornalista, acrescentando: “Espero que no Tribunal da Relação de Lisboa a queixa-crime que apresentámos contra a procuradora também tenha o seu respectivo andamento e não seja arquivada.”

“Processos de violação do segredo de justiça, há muitos, já tivemos alguns, temos de saber lidar com isso, faz parte da nossa vida, mas aqui o que é verdadeiramente insólito foi precisamente a forma abusiva com que o Ministério Público conduziu este inquérito, em clara violação do que é a liberdade de imprensa numa sociedade democrática”, disse, por seu turno, Henrique Machado.

Na sua opinião, “o tribunal valorizou muito a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão”. “Para mim, neste acórdão, uma questão essencial é o facto de o próprio Tribunal Europeu entender que temos direito a ter uma grande liberdade, mas também temos uma grande responsabilidade. Aquilo que foi determinante foi o facto de as notícias que nós demos e que aqui nos trouxeram não terem prejudicado minimamente o bom curso desses inquéritos e, como tal, aí deve prevalecer a liberdade de expressão e de imprensa”, sublinhou, acrescentando que esta decisão “é uma vitória clara para a nossa democracia e uma derrota para o Ministério Público, que agiu de forma completamente abusiva”.

O que entendeu a Relação de Lisboa

Inicialmente, o juiz de instrução Carlos Alexandre tinha mandado arquivar o caso, não pronunciando os três arguidos: dois jornalistas e um inspector da Polícia Judiciária. Mas o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por reverter esta decisão quanto aos jornalistas, mantendo a não-pronúncia do inspector. Por isso, foram a julgamento, em primeira instância, tendo agora sido absolvidos.

A Relação de Lisboa considerou que os dois jornalistas deveriam ter feito uma “ponderação de valores” e “contemporizar” a divulgação de informações em segredo de justiça sobre os processos mediáticos.

“Assente que os processos em causa nestes autos estavam em segredo de justiça, mal se percebe a ausência de pronúncia, posto que se mostra fortemente indiciado que tal era o estado do processo, que os arguidos conheciam a existência do segredo e que, mesmo assim, quiseram violar o segredo”, lê-se na decisão, segundo a qual o que está em causa “não é a liberdade de expressão”, mas a “fome de protagonismo”.

“É o ter o ‘furo’, é o fazer a festa antes do outro. É o dizer: ‘Iupi! Olha para mim, que estava lá quando prenderam o juiz.’ “Viva eu, que sabia que estavam a revirar o Estádio da Luz’, ”Eu é que disse que as toupeiras foram detidas’. Tudo foi feito para o ‘furo’, mas criando as condições para que a prova fosse inquinada, perdida ou destruída; tudo feito ‘sem consideração’”, continuam os juízes da Relação. E concluem: “Há uma frase no jornalismo americano em que se diz ‘There is no such thing as a few hours in the news business’ [No negócio das notícias não existe o conceito de poucas horas], mas Portugal não é os Estados Unidos da América e muito menos o Faroeste.”

Sugerir correcção
Ler 9 comentários