O Estado que ainda temos – não deixem morrer SNS!

Já vivi no norte da Europa onde supostamente tudo é perfeito, talvez por isso tenha mais legitimidade para gritar bem alto que ainda tenho muito orgulho no SNS do meu país.

Nove horas nas urgências do hospital de Abrantes no passado dia 7 de Fevereiro e uma hora de espera para fazer uma visita no dia seguinte, paradoxalmente, fizeram-me sentir o quão importante é não deixar cair este nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Habituada a ouvir falar mal deste hospital, para lá levaria o meu pai em agravamento pós-covid. Encontrei uma urgência a abarrotar de doentes, quase todos idosos, macas e cadeiras de rodas pelo corredor, duas médicas extenuadas (falantes de português do Brasil e "portunhol" de além-mar). Testemunhei, porém, o cuidado com que tratavam os doentes e familiares mesmo naquelas condições.

Todos, mas mesmo todos os profissionais com quem me cruzei (os administrativos na admissão, seguranças que ajudavam das mais variadas formas enquanto zelavam pelo cumprimento das regras, pessoal médico, enfermagem, assistentes) foram de um profissionalismo e boa disposição fora do comum. A assertividade e competência de um “anjo da guarda”, em figura de médica, salvaram o meu pai nessa noite. Uma médica que pesquisou o que não era óbvio assumiu a necessidade de uma TAC. Exame feito de imediato, mas que exigiu uma espera de três horas por um relatório que o hospital não podia fazer.

Foi tudo perfeito? Não foi. Mas tudo se alinhou num rumo certo que me fez experienciar uma harmonia e humanidade invulgares. Sem “espinhas”, sem cunhas! Foi acaso? Talvez não, possivelmente há uma equipa motivadora à frente daquele hospital, ou o Portugal interior ainda não se desumanizou!

Há poucos anos minha mãe passou meses nas hepatobiliares do Hospital Curry Cabral, um serviço do SNS onde equipas fazem o que de melhor há no mundo. Já vivi no norte da Europa onde supostamente tudo é perfeito, talvez por isso tenha mais legitimidade para gritar bem alto que ainda tenho muito orgulho no SNS do meu país.

António Barreto escreveu no PÚBLICO que temos um “Governo forte de Estado fraco”, e aflora a ideia de como ao “privado” lhe cai tão bem o despojamento do Estado. Trabalho num instituto público de investigação e serviços (serviços vitais para a segurança nacional e por isso ao Estado devem pertencer), sei muito bem do que fala António Barreto quando diz que “técnicos e investigadores mais capazes (…), obrigados a regras absurdas, não estão motivados e não se sentem atraídos pelo Estado”. A esquizofrenia dos objetivos, depauperamento de instalações, falta de renovação de equipamentos, uma gestão pouco humanizante, um sistema de avaliação que não premeia a excelência, tudo fatores que contribuem para o esvaziamento do Estado.

Por favor, senhores políticos, não esvaziem o Estado, porque ele faz falta à democracia. Por favor, não deixem morrer SNS.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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