Plantadas árvores geneticamente modificadas para absorverem mais CO2 (e crescerem mais)

Empresa norte-americana criou árvores geneticamente modificadas para serem mais eficazes a fazer a fotossíntese, mas faltam provas científicas de que o método funcione. E há críticas à ideia.

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As pequenas árvores transgénicas da Living Carbon Living Carbon
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Living Carbon

Têm um ar frágil, parecem pouco mais que ramos os pequenos choupos plantados numa propriedade privada na Geórgia (Estados Unidos), no início desta semana. Mas são árvores especiais: foram modificadas geneticamente para serem mais eficazes a absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e assim produzir madeira muito mais rapidamente que o normal.

As árvores foram desenvolvidas pela empresa de biotecnologia Living Carbon, de São Francisco, que espera que possam ser uma solução de larga escala para remover (CO2) da atmosfera, que é o mais importante gás com efeito de estufa e está por trás das alterações climáticas.

“Disseram-nos que é impossível”, comentou ao New York Times Maddie Hall, co-fundadora e administradora da empresa. Mas ela e o outro co-fundador, Patrick Mellor, têm conseguido encontrar quem acredite no sonho deles de usar a engenharia genética para lutar contra as alterações climáticas. E há quem tenha avançado o capital suficiente para desenvolver o projecto: os 36 milhões de dólares (33,8 milhões de euros) necessários para lançar esta empresa formada há quatro anos.

O projecto avançou com grande rapidez – demasiada rapidez, dizem os críticos. A empresa ainda não publicou nenhum artigo científico com revisão pelos pares sobre os seus métodos. E só divulgou resultados de um ensaio feito em estufa que durou apenas alguns meses. Estes choupos podem ser as primeiras árvores transgénicas plantadas nos Estados Unidos fora de um ensaio científico ou pomar comercial, diz o jornal de Nova Iorque.

O que se passa na estufa fica na estufa

“Eles têm alguns resultados encorajadores”, reconheceu Donald Ort, geneticista da Universidade do Illinois cujas experiências com plantas inspiraram a tecnologia da Living Carbon. Mas Ort sublinhou ao New York Times que não é nada garantido que os resultados obtidos numa estufa se traduzam num sucesso em condições reais.

“A minha experiência diz-me que os resultados em estufa não significam quase nada”, comentou com o jornal Steve Strauss, geneticista da Universidade Estadual do Oregon. “Mas os investidores de uma empresa de capital de risco podem não saber isso”, sublinhou. O que se passa na estufa, fica na estufa.

É num laboratório em Hayward, na Califórnia, que os genes dos choupos da Living Carbon são alterados. O alvo são genes envolvidos no processo de fotossíntese, que é a série de reacções químicas que as plantas fazem para transformar a luz do Sol, a água e o dióxido de carbono em nutrientes.

Ao longo da história da Terra, a evolução introduziu muitas vezes algumas modificações na forma como as plantas fazem a fotossíntese, tornando-a por vezes mais eficaz. É isso que a Living Carbon quer fazer, ao modificar genes activos nesse processo que comandam a absorção do dióxido de carbono.

Dessa forma, se tudo correr como esperado, não só as árvores podem crescer mais depressa, como é removida uma maior quantidade de gases com efeito de estufa da atmosfera.

A empresa baseia-se no trabalho de Donald Ort, o cientista da Universidade do Illinois, que em 2019 relatou ter conseguido modificar geneticamente plantas do tabaco para que fizessem a fotossíntese de forma mais eficiente: normalmente, é produzido um produto tóxico no processo, do qual as plantas têm de se ver livres, desperdiçando energia. A sua equipa adicionou genes de abóbora e de algas verdes às plantas do tabaco que fizeram com que estas passassem a reciclar as toxinas, em vez de as deitarem fora – e tornaram-se quase 40% maiores.

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Os choupos transgénicos são criados num laboratório na Califórnia Living Carbon

É a perspectiva de ter árvores que crescem mais rapidamente que interessa a Vince Stanley, o proprietário florestal em cujas terras foram plantadas perto de 5000 destas árvores transgénicas. Espera poder fazer dinheiro mais rapidamente. “Fazemos uma rotação da madeira de 50 a 60 anos e isto permitir-nos-ia reduzir esse prazo a metade”, disse ao New York Times.

Lacuna na legislação

Os críticos admiram-se como é que a Living Carbon conseguiu passar do laboratório ao campo tão rapidamente. Segundo diz o jornal de Nova Iorque, isso deve-se à técnica de transformação genética que usou, chamada biobalística. Consiste na propulsão dos genes de interesse no interior das células com a ajuda de um canhão de ADN, com o qual se modifica o material genético da célula. Assim conseguiu aproveitar algumas lacunas na legislação (que, entretanto, foram colmatadas) e apressar o processo.

“Estou chocada por terem conseguido mexer-se tão rapidamente” e plantar um grande número de árvores transgénicas em ambiente natural, comentou Anne Petermann, da organização Global Justice Ecology Project.

Mesmo que a Living Carbon tenha sucesso com as suas árvores transgénicas, que causam desconforto entre ambientalistas e responsáveis do sector das florestas, há muitos outros obstáculos a transpor. As mais importantes organizações que certificam florestas sustentáveis proíbem árvores transgénicas. Aliás, o único país que se sabe que plantou um grande número de árvores modificadas geneticamente foi a China, relata o New York Times.

Para poderem ser plantadas nas florestas nacionais dos Estados Unidos, que representam um quinto da área florestal daquele país, as árvores da Living Carbon teriam de estar alinhadas com os planos de gestão que consideram mais prioritário manter a saúde e diversidade da floresta do que reduzir a quantidade de carbono na atmosfera. “É difícil imaginar que se encaixassem bem numa floresta nacional”, disse o geneticista Dana Nelson, dos Serviços Florestais dos EUA.

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