Governo transfere “meras tarefas” para câmaras? “Visão exagerada”, diz Pizarro

Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, insiste em críticas à transferência de competências. Ministro da Saúde diz que “processo de diálogo” está em curso.

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O ministro da Saúde esteve esta terça-feira no Porto, para a apresentação do Plano Municipal de Saúde LUSA/RODRIGO ANTUNES

Aproveitando a presença do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, na apresentação do Plano Municipal de Saúde (PMS), o presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), Rui Moreira, voltou a criticar o processo de descentralização. E se o tema da sessão que decorreu nesta segunda-feira, no auditório do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde do Porto, era saúde, foi aí que o autarca centrou as críticas.

Embora garanta que o Porto “não se vai eximir às suas responsabilidades na área da saúde”, o autarca lembrou que o processo de descentralização “está a ser feito de forma avulsa” e “sem assegurar a devida neutralidade orçamental”. Isto, depois de já ter classificado o processo como uma “mera transferência de tarefas”.

O ministro ajeitou-se na cadeira e esboçou um sorriso, mas a resposta viria já no final da sessão, em declarações aos jornalistas: “acho que essa visão é um pouco exagerada, embora eu faça parte dos muitos em Portugal que acreditam que a descentralização deve continuar a ser aprofundada”.

Concede que as “forças do centralismo são muito poderosas”, mas insiste que o Governo está a trabalhar para “as contrariar com a energia de quem quer uma descentralização efectiva”.

Pizarro recordou que a CMP e o Governo ainda não chegaram a um entendimento para transferir competências na área da saúde, mas lembra também que, bem antes de o processo de descentralização, o Porto já avançava nesse campo, com a constituição da Carta Municipal de Cuidados de saúde Primários ou com a construção do Centro de Saúde de Ramalde, que depois ficou ao dispor do Serviço Nacional de Saúde, exemplificou.

“Estamos num processo de diálogo e estou absolutamente certo de que encontraremos a plataforma de entendimento adequada com a CMP”, garantiu o ministro da Saúde, concordando com o princípio da neutralidade orçamental defendido pelo presidente da autarquia.

“Esperamos que o município possa intervir activa e profundamente na política de saúde da cidade”, disse Rui Moreira, que reclamou igualmente a “oportunidade de implementar uma verdadeira estratégia municipal de saúde”. O presidente não quer que a câmara se limite “a calafetar janelas dos centros de saúde, a assegurar o transporte de doentes ou a gerir o stock de consumíveis clínicos”, referiu, depois de lembrar a responsabilidade que Manuel Pizarro, agora ministro, teve na CMP, quando assumiu vereação com pelouro da saúde no primeiro mandato do próprio Rui Moreira.

Combater isolamento

Com um plano de acção desenhado até 2024, o Plano Municipal de Saúde quer promover um estilo de vida fisicamente activo, minimizar o isolamento, melhorar saúde mental e prevenir o consumo de substâncias psicoactivas.

O plano tem quatro eixos: crescer e envelhecer no Porto; bem-estar emocional, psicológico e social; alimentação equilibrada e consumos. Nestes grandes objectivos encaixam-se metas como aumentar em 5% a percentagem da população que faz rastreio do colo do útero e da mama, assim como aumentar na mesma medida a proporção de utilização do cheque-dentista nas crianças.

A CMP quer também aumentar em 10% a percentagem de adultos que faz desporto com regularidade (eram 57,5% em 2018), bem como reduzir também 10% a proporção de idosos que não pratica exercício físico (eram 49,7% em 2019), cortar os mesmos 10% aos 41,7% que indicavam, em 2017, o sentimento de isolamento, bem como reduzir o estigma em relação à doença mental na população adolescente.

Aumentar a literacia em saúde da população um objectivo que ajudará a "saber navegar no sistema de saúde, como recorrer e a quem”, referiu o presidente Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Henrique Barros, responsável pela consultoria científica do documento.

Os objectivos do plano passam também por reduzir a insegurança alimentar, a obesidade infantil, a produção de resíduos, mas também o consumo de substâncias, tanto lícitas como ilícitas. É no eixo dos consumos, considera Henrique Barros, “que estão alguns dos desafios mais importantes” com que a cidade se vai deparar “nos próximos anos”.

E o Porto, diz o responsável, traçando um paralelo com a indústria do tabaco, tem de saber “enfrentar um tempo em que as bebidas alcoólicas vão ser justamente demonizadas como a grande causa, por exemplo, de cancro”. “Temos que nos antecipar aos efeitos que isso vai trazer”, acrescentou.

Sobre substâncias, Rui Moreira, que não prestou declarações aos jornalistas à saída, tem carregado na tecla da criminalização do consumo de drogas na via pública, contra o consenso da comunidade científica. Manuel Pizarro falou no combate à droga, mas sublinhou a necessidade de “ajudar as pessoas que consomem drogas”. Acrescenta que o Governo está “num processo de diálogo” com a CMP e “a trabalhar nessa matéria”, mas mais não adiantou.

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