Professores e governo: superar o impasse

Uma ligeira subida para um rácio de dez alunos por professo geraria uma poupança de mais de 400 milhões de euros anuais, a qual poderia financiar as justas reivindicações atuais dos professores.

As negociações entre sindicatos de professores e governo arrastam-se, sem solução à vista, criando prejuízos ao país, ou seja, aos alunos, aos professores, aos pais e aos demais cidadãos.

Os detalhes são intrincados mas, no essencial, os professores lutam por uma progressão na carreira que respeite o tempo de serviço que lhes foi congelado pelas políticas de austeridade e uma maior estabilidade para aqueles que circulam entre escolas todos os anos. Assumindo que são reivindicações justas, o Governo não parece disposto a aceitá-las, por medo de que isso provoque uma derrapagem da trajetória orçamental que tem planeada com a Comissão Europeia, para os próximos anos. Estão em causa muitas centenas de milhões de euros anuais, os quais podem multiplicar-se por um eventual “efeito dominó” para outras classes profissionais na administração pública.

Está em causa também a qualidade das nossas escolas e da formação que proporcionará aos nossos cidadãos nas próximas décadas.

Sabemos hoje que o problema de fundo radica numa concentração desmesurada dos capitais no topo da pirâmide social, numa pequena minoria que frequentemente busca esquemas de escapar aos impostos, a qual tem degradado as condições de vida das classes médias e dos mais pobres. Trata-se de uma chaga global, mas para a qual Portugal tem contribuído cinicamente com privatizações ruinosas, isenções fiscais, off-shore da Madeira, poucos recursos para o combate aos crimes financeiros, etc. Enquanto não se superar este problema, estaremos sempre em risco de ter a situação atual, sobretudo em momentos de inflação: professores (e muitos outros grupos profissionais) com condições salariais piores do que tinham há vinte anos.

Entretanto, dentro da administração educativa, há formas de mitigar o atual impasse que merecem ser debatidas. Vários relatórios internacionais têm notado que Portugal tem um rácio alunos-professor abaixo da média. Segundo o portal de estatísticas da OCDE, 12 alunos por professor no 1.º e 2.º ciclos (13 na UE), 9 no 3.º ciclo e no secundário (11 na média europeia). Segundo os dados oficiais mais recentes (site da DGEEC), no total da rede pública do pré-escolar ao secundário, temos 9 alunos por docente; na rede privada, 12.

Além de nos aproximar da média europeia, contribuindo para mitigar a carência imediata (e a precariedade) de docentes, uma ligeira subida para um rácio de 10/1, geraria uma poupança de mais de 400 milhões de euros anuais, a qual poderia financiar as justas reivindicações atuais dos professores.

Como se poderia operar essa alteração? Aumentar os limites atuais na dimensão das turmas não é boa ideia. Aliás, o que sabemos da gestão dos recursos é que há turmas e professores com demasiados alunos, mas uma grande assimetria nessa distribuição, o que faz com que o rácio nacional seja baixo. E se fossem realmente as comunidades educativas a decidir, de acordo com a sua realidade e o seu projeto educativo, com o apoio (em vez do controlo) da administração? Ou seja, se um agrupamento de 1000 alunos tivesse direito a ter 100 docentes (90 do quadro, colocados pelo concurso nacional, mais 10 contratados pela escola) e a geri-los de acordo com os seus próprios critérios?

De notar que aqui usamos um exemplo simplificado, mas é claro que muitos dos países que têm estes modelos aplicam ponderadores que beneficiam as escolas em territórios de baixa densidade ou de alta vulnerabilidade económica, no âmbito de políticas de coesão social e territorial.

É possível que: nuns casos, isso implicasse fechar uma escola, um curso ou uma disciplina de opção com poucos alunos; noutros, isso levasse docentes com 12 horas letivas semanais a dar 14 horas ou a lecionar uma disciplina que não é a sua especialidade (com apoio e formação); noutros ainda, a horários em que os estudantes tivessem uma hora letiva semanal de trabalho autónomo orientado, na biblioteca. São apenas exemplos e há muitas outras soluções possíveis, se realmente o discurso da autonomia das escolas for levado a sério.

Talvez não seja o ideal, exige alguma coragem, mas os recursos não são ilimitados, devem ser distribuídos de forma transparente e devemos confiar nos comunidades educativas para encontrar as melhores soluções a nível local. Nos casos em que não resulte, no ano seguinte podem ser revistas. E enquanto lutamos por ter um maior equilíbrio na distribuição de recursos entre o capital e o trabalho, não será um preço razoável a pagar para ter professores com uma carreira mais estável, digna e valorizada?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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