Administradores da Shell processados por gerirem mal riscos das alterações climáticas

É a primeira vez que administração de uma empresa é posta em causa por não se preparar de forma adequada para a transição energética, salienta a organização não governamental Client Earth.

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A Shell anunciou recentemente ter tido um lucro recorde em 2022 de 40 mil milhões de dólares (cerca de 37 mil milhões de euros) Reuters/DADO RUVIC

Os 11 membros do conselho de Administração da petrolífera Shell estão a ser processados pessoalmente pela organização de direito ambiental sem fins lucrativos Client Earth por não estarem a gerir de forma adequada os riscos relativos às alterações climáticas e prejudicarem as perspectivas de lucro da empresa. O processo é apoiado por várias empresas de gestão de fundos de pensões e investidores institucionais europeus.

Fundos de pensões do Reino Unido, Suécia, França, Bélgica e Dinamarca escreveram cartas em que apoiam a acusação apresentada num tribunal superior em Inglaterra de que os directores da Shell falharam na gestão “material e previsível” dos riscos das alterações climáticas, e não estabeleceram uma estratégia adequada para os enfrentar. Em particular, as metas da empresa de transição para energias limpas são consideradas insuficientes.

“Esta é a primeira vez que a administração de uma empresa foi posta em causa por não se preparar de forma adequada para a transição energética”, diz um comunicado da Client Earth. “Para garantir que a empresa continua a ser competitiva nos futuros mercados energéticos, quando países e clientes em todo o mundo escolhem energias mais baratas e mais limpas, a Shell tem de se afastar dos combustíveis fósseis e procurar um modelo de negócios alternativo”, diz ainda a Client Earth.

“Afirmamos que o actual plano da administração da Shell para fazer essa transição [energética] é simplesmente irracional”, declara a organização de litigância climática, que tem acções na Shell, o que lhe permite accionar este processo à luz da lei britânica alegando que está a defender os interesses da empresa.

"A tentativa da Client Earth de mudar a estratégia da empresa aprovada pelos nossos accionistas não tem mérito. Vamos opor-nos ao pedido que apresentaram ao tribunal para irem em frente com este processo", disse um porta-voz da Shell, citado pela CNBC.

"Esperamos que toda a indústria energética preste atenção”, refere, por seu lado, Mark Fawcett, do fundo de pensões britânico Nest, citado pela Reuters. Se os juízes aceitarem o processo, poderá encorajar investidores noutras empresas que são grandes emissoras de dióxido de carbono, o mais significativo gás com efeito de estufa que está por trás das alterações climáticas a iniciar processos contra as respectivas administrações, por não gerirem adequadamente os riscos das alterações do clima, diz a Reuters, citando especialistas.

Lucros recorde

A Shell anunciou recentemente ter tido um lucro recorde em 2022 de 40 mil milhões de dólares (cerca de 37 mil milhões de euros), empurrado pela subida dos preços da energia motivada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia, recorda o jornal The Guardian. Outras grandes petrolíferas tiveram igualmente no ano passado os maiores resultados de sempre, como as norte-americanas Chevron e ExxonMobil, ou a britânica BP. Perante estes resultados, a BP decidiu reduzir significativamente o esforço de corte de produção para diminuir as emissões de carbono.

A Shell abandonou recentemente a sua estrutura dupla, holandesa e britânica, e mudou a sua sede para o Reino Unido. Tem sido um alvo privilegiado de acções de litigância climática. Um tribunal de Haia ordenou em 2021 à empresa que se responsabilizasse pela redução em 45% até 2030 (tendo como referência os valores de 2019) das emissões de dióxido de carbono (CO2) que produz directamente, mas também pelas dos seus fornecedores e clientes.

Foi uma decisão histórica, que pode ter implicações para as empresas do sector energético em todo o mundo. A Shell recorreu da sentença e, segundo a Client Earth, a administração alega que alguns pontos da sentença “não são razoáveis e são incompatíveis com o negócio” da empresa.

O grupo ambientalista que ganhou essa vitória num tribunal holandês (Amigos da Terra/Milieudefensie) tinha avisado em Abril do ano passado os administradores da empresa de que poderiam vir a ser responsabilizados em termos pessoais se não puserem em prática a sentença.

Contas não batem certo

Também no ano passado, uma consultora de segurança britânica que trabalhava com a Shell decidiu cortar os laços com este grupo petrolífero da forma mais ruidosa possível e tornou-se um fenómeno viral nas redes sociais. Caroline Dennett enviou uma carta para 1400 funcionários e consultores externos a anunciar a sua saída, que disponibilizou no LinkedIn, juntamente com um vídeo em que explica as suas razões de viva voz.

A petrolífera está a causar “danos extremos ao clima, ao ambiente, à natureza e às pessoas”, dizia na carta. “Não posso continuar a trabalhar para uma empresa que ignora todos os alarmes e minimiza os riscos das alterações climáticas e do colapso ecológico”, escreveu Dennett.

Esta carta divulgada publicamente dava argumentos para os que desconfiam da estratégia da Shell: “Ao contrário das expressões públicas da Shell em torno de atingir a ‘neutralidade carbónica’, não se está a reduzir a exploração de petróleo e gás natural, pelo contrário, têm planos para explorar e extrair muito mais [hidrocarbonetos]”, afirmou a especialista britânica que trabalhava com a Shell há 11 anos.

“A Shell mantém em público que a sua estratégia é consistente com os objectivos do Acordo de Paris e estabeleceu a meta de atingir a neutralidade carbónica em 2050. O problema é que as suas metas intermédias não batem certo”, diz a Client Earth, no comunicado em que divulga o processo agora iniciado. “A investigação feita por analistas sugere que a estratégia da Shell resultaria de facto numa redução de apenas 5% das suas emissões até ao fim desta década.”

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