Associação quer levar Estado a tribunal por não cumprir Lei de Bases do Clima

Um ano depois de aprovada, falta dar corpo a esta lei, dando passos como a criação do Conselho para a Acção Climática ou a elaboração de um orçamento de carbono.

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Falta, por exemplo, aprovar o orçamento de carbono, ou seja, o volume de emissões num determinado período para limitar o aquecimento global às metas do Acordo de Paris Paulo Pimenta

A associação Último Recurso espera até ao fim do ano estar pronta para processar o Estado português por “não-cumprimento dos compromissos que assumiu por via da aprovação da Lei de Bases do Clima”, explicou Maria Paixão, do departamento jurídico desta organização sem fins lucrativos.

A Lei de Bases do Clima foi aprovada na Assembleia da República a 5 de Novembro de 2021, apenas com o voto contra da Iniciativa Liberal, e promulgada a 13 de Dezembro pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. “Mas uma Lei de Bases exige sempre um desenvolvimento posterior e, no entanto, já passou um ano e muitas das disposições ainda não foram postas em prática, falta fazer muita coisa”, disse ao PÚBLICO Maria Paixão, da associação que quer “mobilizar instrumentos jurídicos para fazer avançar a acção climática”.

A associação é composta por “advogados, juristas, estudantes de Direito e pessoas de outras formações, como comunicação, relações externas, ciência política”, explica a activista. Com esta acção, pretendem obrigar o Estado, por via judicial, a fazer o que se comprometeu a fazer, mas não está a fazer.

“A Lei de Bases do Clima prevê, por exemplo, a aprovação de orçamentos de carbono [volume total de emissões de gases com efeito de estufa que podem ser libertados num período e numa zona para limitar o aquecimento global a uma temperatura-alvo, como os 1,5 graus ou dois graus no máximo do Acordo de Paris] para os anos seguintes, é assim que daqui para a frente se deve levar a acção climática”, diz Maria Paixão.

Diz a lei que “os orçamentos de carbono estabelecem um limite total de cinco anos de emissões de gases de efeito de estufa”. O orçamento de carbono para o período 2023 -2025 deveria ser “excepcionalmente definido no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei”, lê-se no documento. Mas não se vê actuação do Governo nesse sentido.

Atraso no Parlamento

“Tem de haver também uma revisão de vários tipos de legislação que está em vigor para ir ao encontro dos objectivos de redução das emissões da Lei de Bases”, exemplifica a activista. “Tem ainda de ser criado o Conselho para a Acção Climática [CAC]”, sublinha.

Este é definido na lei como “um órgão especializado, composto por personalidades de reconhecido mérito, com conhecimento e experiência nos diferentes domínios afectados pelas alterações climáticas, incluindo gestão de risco e políticas públicas, e actua com estrita isenção e objectividade, em obediência a critérios técnicos devidamente explicitados, não podendo ser sujeito a direcção, superintendência ou tutela governamental”. Cabe ao Parlamento começar a torná-lo real: “A composição, a organização, o funcionamento e o estatuto do CAC e da estrutura de apoio técnico são definidos em resolução da Assembleia da República”, diz a Lei de Bases do Clima.

“A própria Lei de Bases também tem lá um preceito que diz que quaisquer 30 cidadãos podem solicitar uma audiência com o ministro responsável, para perguntar como está o andamento da acção climática. Nós tentamos fazer esse contacto e não obtivemos qualquer resposta. Portanto, a participação dos cidadãos, que tem uma abertura fantástica na legislação, não está a ser cumprida”, expõe Maria Paixão.

“De resto, há todo um conjunto de planos sectoriais, em matéria de agricultura, de transportes, de energia, de que nem se tem falado de começar sequer o processo legislativo, nada disto está em marcha”, conclui.

Pressão social

Este é o primeiro processo com que a associação Último Recurso está a avançar. “E em colaboração com uma equipa de advogados, estamos a ver quanto tempo é que vamos demorar a reunir todos os elementos de que precisamos. A fase em que nós estamos agora é a de recolher pareceres técnicos de investigadores para podermos sustentar tecnicamente a nossa acção e demonstrar que a acção do Estado está em incumprimento das metas que o próprio fixou na Lei de Bases quanto à redução das emissões”, explicou Maria Paixão.

Isto que a associação Último Recurso pretende fazer chama-se “litigância climática”, adianta Maria Paixão. “No estrangeiro, isto já existe, e tem tido bastante sucesso, sobretudo nos últimos cinco anos. Em 2015, houve o primeiro grande processo, nos Países Baixos, que veio condenar o Estado a aumentar a ambição da sua acção climática”, recorda.

“Em 2021, houve uma decisão muito interessante do Tribunal Constitucional alemão a condenar o Estado a rever a acção climática”, frisa. Na passada sexta-feira, foi notícia a acção apresentada por Greta Thunberg e um grupo de 600 activistas que demorou dois anos a ser preparada e culminou com a Suécia processada por falhar no combate à crise climática.

“Em Portugal, ainda não houve nenhum processo que tenha chegado ao fim”, diz Maria Paixão, que acrescenta: “O objectivo [da associação Último Recurso] é fazer este tipo de acção, através dos tribunais, mas também fazer uma acção mais de pressão social para influenciar a forma como o direito é feito antes de ser sequer posto em prática.”

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