Enterro, cremação de água ou compostagem humana? Até o funeral pode ser verde

Ser enterrado embrulhado numa mortalha, mergulhado numa cuba de água quente e alcalina, ou ter como destino a compostagem. Há várias opções para um último acto o mais verde possível. Conheça algumas.

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Um corpo depositado num "berço" Amanda Lucier/ The Washington Post

Estou de pé no cume do cemitério de Fernwood, nos arredores de São Francisco [EUA]. Os carvalhos vivos brotam das colinas como castelos frondosos. Um falcão de cauda vermelha desenha círculos no céu acima de mim. E, por baixo de mim, centenas de corpos regressam lentamente à terra. Esta vista acolhe um dos maiores locais de sepultamento natural da Califórnia. Cada pessoa aqui (ou os seus entes queridos) decidiu que o seu último acto deveria ser o mais verde possível.

Mas será que foi?

A minha mãe morreu em Julho, sem instruções sobre como queria ser posta a descansar. A minha irmã e eu enfrentámos semanas de sofrimento a planear o seu funeral. Tivemos de navegar num mercado desorientador de “cuidados da morte”, como a indústria é chamada. Enfrentei a tarefa pouco invejável de ter de decidir entre o caixão Titan Series Steel, Bahama Blue Granite Cross Grave Markers e algo chamado Athena Urn Vault. Estes eram apenas os acessórios. Assegurar lugar num cemitério na minha área de residência – mesmo com apenas um sudário e sem lápide poderia custar 15 mil dólares (13.750 euros).

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Uma sepultura coberta de neve na Herland Forest, um cemitério funerário natural em Wahkiacus, Washington Amanda Lucier /The Washington Post

Desiludida, a minha família finalmente escolheu uma cremação simples, espalhando as cinzas da minha mãe num pequeno parque debaixo de um pinheiro de Monterey. A cremação não foi a escolha mais amiga do clima, mas pareceu-nos o melhor que podíamos fazer naquele momento desolador.

Morrer na América moderna nunca apresentou tantas escolhas difíceis (ou caras). No passado, a tradição circunscreveu-nos. No século XX, 95% dos americanos tinham um tipo de ritual de morte: embalsamar e depois ver o corpo num cenário fúnebre, diz Shannon Dawdy, uma antropóloga da Universidade de Chicago.

Mas está em curso uma mudança distinta na forma como abordamos a morte. Mais de metade dos americanos procuram funerais mais verdes, de acordo com a Associação Nacional de Directores Funerários [nos EUA], e a percentagem está a aumentar. A indústria funerária está a responder: pode agora ser sepultado num recife de coral; doado à ciência; liofilizado e estilhaçado em milhares de pedaços; posto à deriva numa urna de gelo; “purificado” por fatos feitos de cogumelos. Ou, num regresso ao passado, simplesmente enterrado no seu quintal.

O que torna um funeral verde? Encontrei muitas reivindicações e alguns estudos sobre as coisas que fazem uma diferença significativa para o ambiente. A pesquisa também levantou algumas questões desconfortáveis: quão aberto estava eu, por exemplo, a dissolver o meu corpo numa cuba de lixívia? (Admito essa possibilidade. Penso eu.)

Por isso, aqui apresento as melhores provas disponíveis para o ajudar a tomar uma decisão mais informada por si próprio, ou por outra pessoa. O passo mais importante, não importa o que escolher, é apenas começar. Nos Estados Unidos, apenas 24% dos americanos planeiam o seu próprio funeral. Isso deixa a decisão a cargo dos seus entes queridos durante um dos momentos mais difíceis das suas vidas.

Aqui está a sua oportunidade de decidir.

Sepultamento em caixão vs. cremação

Para Jacquelyn Day Hovakimian, 35 anos, bibliotecária em Lakewood, Califórnia, o seu funeral era uma questão demasiado pesada para enfrentar. Ela queria que a sua morte deixasse o mundo um pouco melhor, mas cada vez que tentava olhar para este momento, ficava demasiado emocionada. “Oh, Deus, a morte. Mas quanto mais a enfrentava, mais se reduziam o tabu e as emoções, e podia tomar uma decisão lógica e imparcial por mim própria”, conta.

Jacquelyn eliminou a ideia de cremação ou de um elaborado enterro no caixão. Embora estes representem 94% de todos os funerais nos Estados Unidos, são também os piores para o ambiente. Todos os anos, os cemitérios nos Estados Unidos utilizam 64 mil toneladas de aço e 1,6 milhões de toneladas de betão suficientes para reconstruir a Ponte Golden Gate –, além de mais de 18 milhões de litros de líquido de embalsamamento, de acordo com o Green Burial Council, uma associação sem fins lucrativos.

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As copas das árvores na Herland Forest Amanda Lucier /The Washington Post

Cada cremação, que incinera corpos com tochas de propano, leva a emissões de gases com efeito de estufa equivalentes a conduzir mais de 800 quilómetros num automóvel. Estes métodos são relativamente recentes, tendo substituído tradições milenares de utilização de simples mortalhas ou caixões de pinho durante o século passado.

“A forma moderna americana de morte é, de facto, um fenómeno pós-Guerra Civil”, diz David Sloane, professor de Planeamento Urbano na Universidade do Sul da Califórnia e autor do livro Is the Cemetery Dead? [“O cemitério está morto?”] “E é evidente que os funerais modernos são, de longe, o pior poluidor ambiental”, resume.

Compostagem humana

Na sua pesquisa Jacquelyn Hovakimian analisou a compostagem humana. Este método coloca restos humanos num recipiente de aço com nada mais do que água, calor, mulch [cobertura vegetal usada para cobrir o solo] e micróbios pré-existentes, acelerando a decomposição natural. Após cerca de 45 dias (e com o recipiente a ser virado umas quantas vezes), o corpo torna-se um escasso metro cúbico de solo e ossos ricos em nutrientes.

Tom Harries, o fundador do Funeral da Terra, uma empresa sediada em Auburn, Washington, que oferece o serviço, diz que a transformação do solo tem sido feita para todas as idades, desde fetos a cidadãos centenários. O solo é devolvido aos entes queridos ou espalhado por terras reflorestadas na Península Olímpica de Washington, onde o solo e as árvores absorvem o dióxido de carbono do ar.

O impacto ambiental é insignificante, consumindo cerca de 180 litros de água e uma modesta quantidade de electricidade. A compostagem humana já é legal na Califórnia, Washington, Oregon, Vermont e Colorado, bem como para qualquer pessoa disposta a enviar um corpo para esses estados.

Sepultamento natural

Os funerais naturais ou verdes representam uma reduzida mas crescente percentagem de todos os funerais nos Estados Unidos. Os corpos são enterrados numa mortalha ou em caixões biodegradáveis feitos de madeira, bambu ou papelão. Não são permitidos embalsamamentos, forros nas sepulturas ou lápides visíveis.

Alguns cemitérios onde são propostos enterros verdes podem proteger e restaurar o habitat da vida selvagem, enquanto outros, como o Life After Life no Brooklyn, planeiam transformar os campos industriais e os parques urbanos em cemitérios que servem as comunidades locais com novos parques.

Os enterros naturais, como a compostagem humana, têm um impacto ambiental mínimo talvez mesmo positivo. O Green Burial Council estima que o processo sequestra mais de 11kg de dióxido de carbono, ao mesmo tempo que evita o corte, a fertilização e a rega intensivos.

Não há um modelo único para enterros naturais, mas há pelo menos 368 cemitérios que dão esta possibilidade nos Estados Unidos, enquanto algumas organizações estatais podem ajudar os interessados a planear um enterro nas suas propriedades. Também é possível contratar alguém como Elizabeth Fournier, conhecida como green reaper, de uma empresa funerária independente no Oregon e autora do Green Burial Guidebook.

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A caixa, a que chamam "berço", que é usada na opção para a compostagem Amanda Lucier /The Washington Post

Cremação de água (hidrólise alcalina)

Nenhuma destas opções funcionou para Jacquelyn Hovakimian. A compostagem humana não estava disponível no seu estado na altura, e ela sentiu que um cemitério, por mais verde que fosse, faria com que fosse mais difícil para a sua família deixá-la “partir”.

Em vez disso, ela escolheu um processo chamado hidrólise alcalina, ou cremação de água, através da empresa Pisces, sediada na Califórnia. A técnica, utilizada pela primeira vez em funerárias por volta de 2011 e legal em cerca de 28 estados, mergulha corpos numa cuba de água quente e altamente alcalina (95% de água, 5% de hidróxido de potássio).

Os tecidos moles dissolvem-se em poucas horas. O líquido cor de chá resultante – uma mistura estéril de sais, açúcares e aminoácidos vindos do ADN – pode ser despejado no solo como fertilizante, ou deitado pelo cano abaixo. Tal como nas cremações convencionais, os ossos são moídos até se tornarem num pó fino.

O processo de cerca de quatro horas utiliza uma quantidade modesta de electricidade e água (pouco mais de 1500 litros). Embora ligeiramente mais caro do que as cremações convencionais, as emissões de gases com efeito de estufa do processo são negligenciáveis.

Para Jacquelyn, escolher a cremação de água foi incrivelmente fácil.

Prefiro pôr menos porcaria no ar, e talvez deixar o mundo um pouco melhor para o futuro, diz a bibliotecária, adiantando que a sua família acabou por aceitar esta ideia depois de uma resistência inicial. Parece também um pouco mais agradável do que ser incendiado.”

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Walt Patrick visita a sua própria sepultura, na Herland Forest, para um sepultamento natural. Patrick colocou uma pedra do seu tempo no Nevada para marcar o local. Amanda Lucier /The Washington Post

Avaliar o impacto de um funeral verde

Como é que pode escolher o que é certo para si? Considere a sua cultura e se quer algo tradicional – sabendo que os funerais tradicionais de hoje datam, no máximo, de logo após a Guerra Civil, diz Sloane.

Para uma perspectiva mais completa, tenha em conta o trabalho da investigadora holandesa de sustentabilidade Elisabeth Keijzer. A investigadora que trabalha na Holanda calculou o impacto ambiental de tudo o que faz parte de um funeral, desde o forro de algodão em caixões até às emissões resultantes da condução de um carro funerário. Nem todas as emissões, ou efeitos, são directas. A compostagem e a hidrólise alcalina não emitem directamente muito gás com efeito de estufa, mas a construção das instalações onde têm lugar consome uma quantidade significativa de energia.

Dadas estas diferenças entre funerais (e países), foi difícil fixar números exactos para cada processo. Mas, num estudo de 2017, Elisabeth Keijzer encontrou um padrão claro: os enterros e cremações tiveram o maior impacto, particularmente no clima, enquanto opções como a compostagem humana ou os enterros verdes têm repercussões bastante mais reduzidas.

Em última análise, a especialista questionou o foco nos funerais. Comparado com outras actividades durante a vida de uma pessoa, o impacto de um funeral nas alterações climáticas é muito pequeno, escreveu ela. O enterro convencional mais intenso em termos de produção de carbono representa pouco mais de 0,03 por cento da média das emissões do cidadão holandês durante a sua vida útil. Nos Estados Unidos, onde as emissões per capita são cerca do dobro, esta percentagem seria provavelmente ainda mais baixa.

Em última análise, um enterro amigo do ambiente não compensará uma vida útil de emissões. Portanto, escolha um funeral verde, se assim o desejar. Mas de uma perspectiva climática, a forma como se vive irá sempre eclipsar o que acontece depois de morrer.

Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO

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