Espanha vai investir 23 mil milhões de euros na gestão dos seus recursos hídricos

É o maior investimento alguma vez feito no país vizinho para o tratamento da água e o regadio. O transvase Tejo/Segura sofrerá uma redução progressiva para assegurar o caudal ecológico no rio Tejo.

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Problemas com o rio Tejo, em Espanha, são antigos e envolvem desvios de agua para rega, falta de agua , poluição Nuno Ferreira Santos

O conselho de ministros espanhol, realizado em 24 de Janeiro, aprovou os Planos Hidrológicos do Terceiro Ciclo (PHTC) que vão gerir os recursos hídricos de 12 das 25 bacias hidrográficas do país vizinho, e que dependem da administração geral do Estado. A concretização deste objectivo implica que até 2027, o Governo espanhol tenha de investir 22.884 milhões de euros em 6500 medidas necessárias para enfrentar os efeitos das alterações climáticas que já se colocam e vão acentuar-se até 2050.

O investimento irá privilegiar o saneamento das águas com 6643 milhões e a modernização e ampliação dos sistemas de rega, 5070 milhões. Outras rubricas contempladas: melhoria nos abastecimentos públicos de água, 2260 milhões, gestão do risco de cheias, 2.077 milhões, recuperação do domínio público hídrico, 1.300 milhões e instalação de centrais de dessalinização e recuperação de águas residuais para posterior reutilização, 1270 milhões de euros.

A realização de estudos, planeamento hidrológico, gestão e administração do domínio público hídrico, redes de monitorização e informação hidrológica, manutenção e conservação de infraestruturas e recuperação de aquíferos, vão receber 4228 milhões de euros.

“Nunca houve tantos recursos para investir na água e numa modernização tão importante das políticas da água”, vincou a ministra da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico (MITECO), Teresa Ribera, no comunicado saído da reunião do conselho de ministros espanhol.

Para a governante espanhola a aprovação dos PHTC “culmina um longo processo de modernização do ordenamento hidrológico em Espanha”, frisando que os planos antecipam as intervenções necessárias para fazer face à escassez de recursos hídricos e procuram assegurar “um equilíbrio entre os recursos disponíveis e a procura.”

Desde 1980 que os fluxos dos rios espanhóis sofreram uma redução de 12%, cenário que sofrerá um agravamento ao longo das próximas décadas. As projecções indicam que até 2050 pode haver uma nova queda no acesso à água entre 14 e 40%.

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Nuno Ferreira Santos

Espanha continua a pagar multas

Espanha continua a pagar multas por atrasos no cumprimento das suas obrigações no tratamento de efluentes agrícolas, industriais e domésticos que “contem nitratos e pesticidas e outros contaminantes emergentes, como microplásticos ou antibióticos”, realçam os PHTC. Nesta matéria "ainda existe um número significativo de processos de infracção abertos pela Comissão Europeia", lembra Teresa Ribera.

Falta cumprir cinco acórdãos do Supremo Tribunal e os regulamentos europeus para garantir água suficiente na nascente do rio ou seja: garantir o caudal ecológico do Tejo é essencial. A solução, para além da obtenção de água pelo processo de dessalinização passa também por “mais investimento no saneamento e depuração” dos efluentes produzidos pela actividade humana, salienta a ministra. Um exemplo: nos recursos hídricos subterrâneos cerca de 40% encontram-se em mau estado de conservação.

Os PHTC propõem uma mudança no modo como tem sido seguida a utilização dos recursos hídricos. E a ministra sentencia: “Devemos garantir que a utilização das águas subterrâneas não exceda a capacidade de regeneração dos nossos aquíferos”. Em reforço das medidas propostas para os planos hidrográficos das 12 bacias hidrológicas com gestão pública, as dotações globais para os diferentes usos da água serão reduzidas dos actuais 28.000 hm3/ano para 26.800 hm3/ano.

A constatação de um cenário tão crítico, suscita um aviso de Teresa Ribera: " Deixámos de poder garantir o abastecimento de água potável e os usos económicos baseados exclusivamente na chuva". O quadro da escassez obriga a recorrer a contribuições adicionais como a dessalinização e a reutilização das águas residuais, que passaram a ser "tão preciosas como as águas superficiais e dos aquíferos” insiste a ministra.

Em complemento destas medidas, o plano hidrológico para a Bacia do Tejo aprovado pelo Governo espanhol estabelece, pela primeira vez, um caudal ecológico para o maior rio ibérico que garanta a sua preservação do ponto de vista ambiental. Os débitos serão retirados do transvase Tejo/Segura. Em 2023 serão lançados no curso da linha de água entre 6 e 7 metros cúbicos por segundo de afluente. O volume aumentará para 8 metros cúbicos em 2026 e no ano seguinte receberá um novo reforço que poderá chegar aos 8,6 metros cúbicos. “O caudal ecológico do Tejo é essencial para que se cumpram cinco acórdãos do Supremo Tribunal e os regulamentos europeus” observa Ribera.

Os protestos dos regantes

No entanto, a decisão de assegurar o caudal ecológico do Tejo está longe de ser uma solução consensual. Aliás é um dos pontos mais conturbados na gestão da água em Espanha. As justificações de natureza ambiental, sistematicamente apresentadas pela ministra espanhola, estão a gerar um duro contencioso com as associações de regantes, das comunidades de Alicante, Múrcia e Almería, grandes consumidoras de água.

Para garantir o caudal ecológico no rio Tejo, paira a ameaça sobre 50% da irrigação que suporta a chamada “horta da Europa” admite o Sindicato Central dos Regantes do Aqueduto Tejo-Segura (Scrats). Esta organização tem explicado nas suas tomadas de posição públicas, que a sustentabilidade do regadio será posta em causa se o corte nas dotações de água para culturas regadas em modo intensivo, for reduzido.

Significará “menos 50% água para irrigação e o abandono de 50% da área útil agrícola no caso do sul de Alicante”, consequência que se estenderá às regiões de Múrcia e Almeria, a principal zona produtora de fruta e legumes frescos da Europa, observa o Scrats.

Esta advertência é partilhada pela Confederação Hidrográfica do Segura que quantificou uma perda anual de 137 milhões de euros e de 4621 postos de trabalho na agricultura. Mas, para o Scrats, o desastre será ainda maior, referindo perdas de postos de trabalho que podem chegar às 15 mil e patrimoniais na ordem dos 5700 milhões de euros.

A ministra argumenta que, no pior cenário, o aumento progressivo do caudal ecológico estabelecido para o Tejo vai implicar que a transferência de água represente um volume que oscila entre os 70 e 110 hectómetros cúbicos. No entanto, com o investimento de 547 milhões de euros que será aplicado no aumento da capacidade das centrais de dessalinização da água do mar, juntamente com a água proveniente das estações de tratamento de águas residuais reutilizada, os regantes terão acesso, no mínimo, a 140 hectómetros.

Porém, a Associação Agrária dos Jovens Agricultores (Asaja) contraria Teresa Ribera alegando que os custos da energia fazem subir os preços da água dessalinizada, inviabilizando a sua utilização no regadio. Por outro lado, referem que não é possível usar apenas água dessalinizada na irrigação. “É um complemento em situações como riscos de emergência, mas não pode ser usado como fonte contínua”, observa.

Desconfiança nas comunidades

Se a decisão do conselho de ministros deixou mal-estar nos regantes, nas comunidades de Guadalajara e Cuenca, onde foram construídas nos anos 50 do século passado, as barragens de Entrepeñas e de Buendía, pontos de água que alimentam o transvase Tejo/Segura, o clima de desconfiança permanece desde 1995.

As duas albufeiras que fornecem água das cabeceiras do Tejo, para os campos agrícolas de Alicante, Múrcia e Almería, sofreram os efeitos de uma seca terrível. Mesmo assim a pouca água existente foi transferida, naquele ano e noutras situações análogas em anos posteriores, para o regadio. Desde então, as 22 comunidades servidas pelas duas albufeiras mantiveram um duro contencioso que obrigou o Governo de Castilla-La Mancha a recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça espanhol que reconheceu a ilegalidade no transvaze de água em período de seca.

Dos 320 hm3 que são transferidos para Alicante, Múrcia e Almería, a partir das barragens de Entrepeñas e de Buendía, estima-se que a decisão inscrita no plano hidrográfico do terceiro ciclo para bacia do Tejo, venha a contemplar uma redução entre 70 a 110 hm3 por ano, volume de água captado. Pode significar a melhoria do espelho de água nas duas albufeiras e assim recuperar, através do turismo e das actividades náuticas, as economias locais dos 22 municípios que beneficiam das duas reservas de água.

A garantia de caudal ecológico no rio Tejo tem associada uma outra premissa. Teresa Ribera lembrou durante os esclarecimentos prestados aos jornalistas sobre a aprovação em conselho de ministros do PHTC que para além do maior rio ibérico, “atravessar várias comunidades, desagua em Portugal, país com o qual existe um acordo bilateral para garantir uma boa gestão do recurso água”.

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