Davos: os incessantes pedidos de armamento pela Ucrânia

Nos diversos painéis que pude presenciar, ouviu-se, recorrentemente, a intenção de se vencer o invasor esta Primavera – algo altamente discutível.

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Ucrânia pressiona para receber armamento como os Leopard 2 Reuters/RADOVAN STOKLASA

Presenciar os eventos da Ukraine House of Davos e do projecto Ukraine is You na semana passada, no âmbito do Fórum Económico Mundial, não só me dotou de incertezas em como a comunidade internacional quer, efectivamente, a rápida resolução deste conflito armado às portas da Europa, como esta tem ainda muito que aprender com a atitude heróica e resiliente do povo ucraniano.

Reunidos em Davos, os chefes de Estado e os decisores políticos discutiram os possíveis cenários para a resolução do conflito na Ucrânia. Na quarta-feira passada, Zelensky iniciou o seu discurso pedindo um minuto de silêncio pelas trágicas mortes provocadas por um acidente de helicóptero que, entre outros, vitimou o ministro do Interior e a sua comitiva.

Aproveitou, portanto, para informar a comunidade internacional da necessidade de resposta rápida aos pedidos de armamento por parte do Governo ucraniano, pois, citado pelo The New York Times, “enquanto os países do mundo livre gastam tempo em considerar o envio de armamento, os terroristas aproveitam para matar”. Note-se que está aberto um inquérito para investigar a queda do helicóptero que atingiu uma creche e fez dezenas de mortos, perto da capital ucraniana. Porém, as declarações do presidente deixam no ar a possível intencionalidade russa neste incidente.

Nos diversos painéis que pude presenciar, ouviu-se, recorrentemente, a intenção de se vencer o invasor esta Primavera – algo altamente discutível. Contudo, estará, efectivamente, a Ucrânia albergada de armamento necessário para a derrota do inimigo?

Do palco exigia-se e tornava-se a frisar a importância do envio de meios militares, da plateia um silêncio ecoava no ar. A lista infinita de pedidos de armamento comunicada por Zelensky, no final do ano passado, tem vindo a criar algumas incertezas e relutâncias perante os aliados, nomeadamente pela Alemanha. Enquanto o Reino Unido, a Polónia e os Países Baixos se comprometeram a enviar ajuda sem precedentes, a Alemanha resistiu ao envio dos Leopard 2, pedindo até países, como Finlândia e Polónia (importadores destes tanques), por permissão a Berlim.

Mesmo que a ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, tenha dito enviar os tanques assim que os pedidos lhes fossem endereçados, a resiliência de Scholz tem sido sujeita ao escrutínio e pressão internacional. Relutância e egoísmo não justificados de alguém sem um território para defender, diria.

Relembre-se que a Alemanha, desde o final da Segunda Guerra Mundial, tem sido altamente controlada, no que concerne à corrida ao armamento. Depois de 24 de Fevereiro de 2022, o denominado Zeitenwende de Scholz, que anunciou 100 mil milhões de euros para a modernização das forças armadas alemãs, assim como a intenção de corresponder aos 2% do PIB há muito estabelecido pela NATO, fez estremecer as pernas dos líderes dos governos europeus que, desde a sua desmilitarização, em 1945, não testemunhavam um investimento na defesa e segurança alemã como se observou em 2022.

Já a Polónia, aliada firme da Ucrânia, tem enviado e continuará a enviar armamento de defesa e combate. Andrej Duda informou, na abertura da House of Davos, o intento de continuar a receber refugiados ucranianos e criar-lhes condições de vida suficientemente confortáveis, enquanto o conflito armado continuar no país vizinho. Opinião altamente concertada pelos líderes europeus deste o estalar das primeiras bombas.

A Ucrânia tem vindo diariamente a lutar pela sua soberania e pela reconquista dos territórios ocupados pela Rússia, tal como, nos últimos dias, temos vindo observar em Zaporijjia. Contudo, entende-se que esta luta parece distante das capitais europeias, visto que nem a França se comprometeu a 100% no envio dos Leclerc. Por algum cinismo ou despreocupação intencional, a vontade política de envio de armamento para a Ucrânia tem feito tremer os peitos dos militares das linhas da frente, incapazes de corresponder às ofensivas russas.

Já em Maio do ano passado, também por ocasião do Fórum Económico Mundial, exigia-se a tomada de acção que evitasse o uso das condições climáticas extremas como arma de guerra, sentidas normalmente em pleno Inverno ucraniano. Desde então, infra-estruturas básicas de electricidade têm sido alvo de ataques intencionais pelas forças armadas do Kremlin, levando a que milhares fiquem sem acesso a aquecimento.

Só aquando de tais ataques, o Parlamento Europeu, liderado por Metsola, decidiu lançar a campanha Generators of Hope. Deveremos, portanto, esperar por mais uma ofensiva musculada russa para se decidir o envio de armamento ucraniano?

Ainda em Davos, na tarde da passada terça-feira, Oleksandra Matviichuk, directora do Centro de Liberdades Civis distinguida com o Nobel da Paz, voltou a ecoar palavras cobertas de emoção sobre a incapacidade de se vencer o inimigo sem que o recurso às armas seja feito. Estranhas palavras de se esperar de uma defensora dos direitos humanos, e, principalmente, de um Nobel da paz. Os momentos de desespero até aos defensores de direitos humanos lhes tocam, particularmente aquando de ofensivas militares constantes no seu país, descartando inclusive o cessar-fogo num conflito em que os intervenientes se demonstram de ouvidos bem tapados.

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