A luta dos professores, uma luta de todos nós!

Para termos uma escola pública de qualidade, esteio essencial da democracia, é fundamental termos professores bem pagos, com estabilidade no emprego e carreiras com condições de progressão.

Os professores do ensino não superior têm vindo a fazer uma série de greves continuadas desde que o Governo de maioria absoluta do PS fez um conjunto de propostas de reforma do estatuto da carreira docente e do regime de contratações que os primeiros consideram inaceitáveis. Estas lutas têm um longo lastro histórico que começa sobretudo com o Governo Sócrates I (2005-2009), com maioria absoluta, quando se fez "uma guerra sem quartel" aos professores (ficou para a história a frase da então ministra: "Perdi os professores, mas ganhei a opinião pública").

A dita "guerra" aos professores resultava nomeadamente de o executivo se revelar incapaz de negociar com os sindicatos pois queria impor aos professores, primeiro, uma carreira segmentada em professores titulares (os superiores hierárquicos, mais bem remunerados) e professores não titulares (os subordinados, menos bem remunerados), mas em que só contavam os últimos sete anos da carreira para acesso à categoria de professor titular e, segundo, uma avaliação para progressão na carreira extremamente burocrática e injusta. É falso que os professores não quisessem ser avaliados, rejeitavam isso sim a avaliação nos moldes burocráticos e enviesados então propostos.

O nível de tensão entre o Ministério da Educação (ME) e os professores era de tal ordem que no Governo Sócrates II (2009-2011), minoritário, a ministra "thatcherista" (designação contundente de Pedro Magalhães, PÚBLICO, 19/6/2006) foi substituída por Isabel Alçada e não só a avaliação burocrática e injusta foi profundamente revista, e aceite pelos professores (tirando a questão das quotas), como foi afastada a divisão entre professores titulares e não titulares. Mas a relação dos professores com o PS ficou irremediavelmente beliscada, até porque as "guerras" dos governos do PS com os professores continuaram.

Antes, porém, o Governo Sócrates II perdeu as eleições e vieram "os anos de chumbo da troika", pilotados pela direita PSD-CDS-PP, em que se acrescentaram a tudo o resto os cortes nominais de salários (para todos os servidores públicos) e pensões, acima de 1500 euros, e o apelo para que os jovens e os professores "emigrassem e saíssem da zona de conforto", porque não havia emprego para eles, mas havia oportunidades para os professores, nomeadamente nos PALOP.

No primeiro Governo de António Costa (2015-19), em aliança com a esquerda radical, foram repostos os cortes de salários e pensões, mas, no setor público, excetuando uma categoria profissional, ninguém teve qualquer aumento salarial, e, portanto, foram repostos os cortes, mas não houve a recuperação do poder de compra perdido (excetuando no salário mínimo). Foram também descongeladas as carreiras na função pública, o que permitiu a muita gente mudar a posição na carreira e melhorar a sua posição remuneratória, mas deve sublinhar-se que tal não atingiu, nem de perto nem de longe, todos os servidores públicos.

E ficou célebre mais uma "guerra" do Governo do PS (Costa I) com os professores, que incluiu ameaça de demissão e tudo, impedindo a justa contagem do tempo de serviço aos professores (os célebres 6 anos, 6 meses e 23 dias, ostensivamente ignorados na carreira dos professores), ao mesmo tempo que o executivo aumentava significativamente (2019), e excecionalmente, os profissionais do subsistema mais ineficaz da administração: os juízes e magistrados.

Ficou escancarada a dualidade de critérios do Governo PS, no tratamento dos servidores públicos, e uma nova "guerra" com os professores.

As principais reivindicações dos professores, nomeadamente dos cerca de 100 mil que, numa mobilização muito estruturada de baixo para cima, mas liderada pelo STOP, se manifestaram em 14/1/2023, são as seguintes:

  • Primeiro, aumentos de salários que permitam minimizar de facto os aumentos de inflação;
  • Segundo, uma avaliação e progressão na carreira sem quotas, ou seja, que seja verdadeiramente meritocrática e não unicamente informada pelo desejo de poupança das Finanças;
  • Terceiro, o regresso à gestão democrática das escolas;
  • Quarto, o fim da municipalização no recrutamento de professores;
  • Quinto, o alargamento da CGA a todos os docentes.

Vale a pena dissecar alguns pontos. Por um lado, é antes das greves que muitos dos alunos estão sem aulas: os professores ganham tão mal (uma amiga dizia-me: ao fim de 25 anos, vinculada, ganha 1400 brutos), sejam os do quadro, sejam sobretudo os contratados (que amiúde estão longos anos, por vezes décadas, nessa situação, e ainda ganham menos do que os outros, e quando acedem à carreira esses anos não contam para nada), que tê de "andar com a casa às costas" e não conseguem pagar as rendas pornográficas exigidas nos grandes centros urbanos.

Por outro lado, os professores fazem muito bem em recusar a municipalização: depois do concurso nacional, para as vagas por preencher seriam as escolas/agrupamentos de escolas (de âmbito municipal, claro) a criar perfis para depois recrutarem os docentes mais adequados a esses perfis. Sabemos bem, no ensino superior, o que são os recrutamentos por perfis: editais com fotografia permeáveis ao nepotismo e ao clientelismo que grassa por esse país fora, sendo que os professores não têm a maioria na gestão das escolas e as autarquias têm uma grande influência na mesma.

A luta dos professores é a luta de todos nós por dois motivos fundamentais.

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Manifestação de professores em Lisboa a 14 de Janeiro de 2023 Daniel Rocha

Primeiro, pela justeza das causas que defendem e porque, para termos uma escola pública de qualidade, esteio essencial da democracia (porque não seleciona, é inclusiva, e porque não faz proselitismo confessional ou outro, é plural do ponto de vista ideológico, religioso e político), é fundamental termos professores bem pagos, com estabilidade no emprego e com carreiras com efetivas condições de progressão.

Segundo, porque ao contrário do discurso da propaganda socialista, que fala em valorização salarial na administração pública e no sector privado, nomeadamente aumentando o peso dos salários no PIB, é o oposto que tem acontecido: segundo um estudo dos economistas Paulo Coimbra e João Rodrigues, publicado no Le Monde Diplomatique, de novembro de 2022, neste ano tivemos a "maior transferência de rendimentos do trabalho para o capital do milénio, uma queda que, face ao ano anterior do peso da retribuição do trabalho no PIB, é muito superior à do desastre socioeconómico da troika (2,4 pontos percentuais em 2022, contra 1,5 pontos percentuais há dez anos)."

E o ano de 2023 afigura-se igualmente desastroso, sobretudo para as classes médias assalariadas mais qualificadas (as mais penalizadas), no sector público tal como no privado (o primeiro é um referencial para o conjunto da economia: veja-se o que se passa nos bancos ou nos portos) já que se mantém a forte punção fiscal sobre o trabalho e aumentos salariais muito abaixo da inflaçã0.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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