Os misteriosos círculos que apareceram no meio do deserto têm mais uma possível explicação

São conhecidos como “círculos de fadas”, mas não são feitos por magia. Invulgares tanto na aparência como na localização, podem ser resultado da competição entre as plantas quando falta água.

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O ecologista Stephan Getzin tem provas de que os círculos resultam de uma feroz competição por água entre as plantas Stephan Getzin

A origem dos círculos estranhamente perfeitos no deserto oriental do Namibe tem intrigado os cientistas durante décadas. Os círculos, que parecem meras manchas de terra num terreno árido, parecem estar distâncias iguais uns dos outros, como se alguém tivesse usado uma forma de cortar bolachas no chão.

As imagens de satélite mostram que pode haver milhões destes "círculos de fadas" na região, mas os cientistas têm-se debruçado sobre o que poderia explicar a existência nem que fosse de um só círculo, que pode chegar a ter 20 metros de diâmetro.

Talvez as térmitas estejam a mastigar as raízes das plantas? Talvez as ervas estejam, de alguma forma, a criar os padrões? Ou uma toxina dizimou o solo? Ou talvez sejam os extraterrestres que estão a equacionar o deserto como um possível ponto de aterragem? (Spoiler: a resposta nunca é "seres extraterrestres".)

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Os misteriosos "círculos de fadas", ou manchas de terra nua em prados áridos, têm intrigado os cientistas durante décadas Stephan Getzin

"Deve haver forças muito fortes por trás da criação destes padrões porque de outra forma seria muito mais ruidoso, muito menos ordenado", disse Stephan Getzin, ecologista do deserto na Universidade de Göttingen, na Alemanha, que tem publicado múltiplos artigos sobre estes círculos. "É esse é o fascínio em torno dos círculos de fadas.”

Agora, Getzin e os seus colegas chegaram a novas provas para ajudar a explicar estes círculos misteriosos na região. Os dados apontam para uma competição feroz entre plantas por água no terreno árido.

Os investigadores dizem que este tipo de padrões regulares de vegetação, como os círculos de fadas, têm mais tendência a aparecer por todo o mundo tendo em conta o aquecimento do clima. Em suma, as plantas podem estar a lutar entre si para sobreviverem a estas condições secas, roubando água às suas vizinhas, o que deixa um círculo vazio.

Getzin viu estes círculos misteriosos pela primeira vez em pessoa quando estudou na Universidade da Namíbia há mais de 20 anos.

Publicou um estudo inicial sobre o tema em 2000, em que deu ao fenómeno o nome "círculos de fadas" devido à sua vaga semelhança com os "anéis de fadas" dos cogumelos, frequentemente vistos nas florestas, em que os cogumelos também nascem formando um círculo. (Os dois fenómenos não estão relacionados, excepto pela semelhança no nome, e estes últimos também não foram criados por fadas.)

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Alguns investigadores vêem estes padrões espaciais como uma adaptação da vegetação para lidar com ambientes mais quentes e secos, que estão sempre a aumentar sob as alterações climáticas Stephan Getzin

Os círculos de fadas namibianos são invulgares não só pela sua aparência, mas também pela sua localização. Surgem numa das áreas mais secas do mundo, aparecendo numa faixa estreita que recebe apenas 70 a 120 milímetros de precipitação anual.

Basta deslocarmo-nos apenas 30 quilómetros para leste e a precipitação anual é de cerca de 150 milímetros. Aí, diz Getzin, não há círculos de fadas à vista e a cobertura de vegetação é contínua.

"Isso é uma indicação muito forte de que se trata de um fenómeno relacionado com a água ou com o clima", afirmou Getzin. "Os círculos de fadas acabam por ser basicamente uma expressão de que não há humidade suficiente para manter uma cobertura vegetal contínua. As ervas organizam-se daquela forma apenas para conseguir colher aquela água que é limitada, da melhor forma possível.”

Plantas são “mais inteligentes do que acreditamos”

Nos últimos três anos, Stephan Getzin e a sua equipa reuniram dados de campo na Namíbia para explorar esta hipótese. A equipa instalou sensores para medir o teor de água no solo e na relva extraída.

Depois de um episódio de chuva, descobriram que a relva crescia tanto dentro como fora do círculo de fadas. No entanto, em poucas semanas, a relva dentro do círculo morreu enquanto as plantas na periferia persistiram. Descobriram também que diminuiu a humidade do solo nos centímetros à superfície, dentro do círculo, apesar de não haver erva presente.

Getzin explicou que as plantas na periferia do círculo estavam a ultrapassar e a ter vantagem em relação à vegetação de dentro do círculo em termos de água. A equipa descobriu até que estas plantas da periferia têm raízes mais longas, o que lhes permite "sugar" melhor a água pelas laterais. Como resultado, não há água suficiente no interior do círculo para que a erva cresça.

Mas porque é que as plantas ficam dispostas em círculo?

A forma de um círculo permite às ervas individuais maximizar a sua disponibilidade de água, disse Getzin. Um círculo, que tem um pequeno rácio entre circunferência e área, limita o número de plantas circundantes e aumenta a quantidade de água disponível para essas plantas. Se fosse um quadrado, mais plantas teriam de partilhar a mesma quantidade de água.

"Do ponto de vista da concorrência, esta é a estrutura mais lógica para aceder a estes recursos limitados de água", esclareceu Getzin.

Getzin reconhece que as plantas não têm cérebro, por si só, mas este é um padrão matemático inteligente. Vários dos círculos estão também uniformemente espaçados uns dos outros para criar um padrão alveolar uniformemente repetido – que contribui para a sua aparência estranha. Os investigadores chamam a este desenho uniforme um padrão de Turing, que foi explicado pela primeira vez pelo matemático Alan Turing.

"Não são apenas os animais que agem como engenheiros de ecossistemas. As plantas estão a fazer a mesma coisa", disse Getzin. "Há uma consciência crescente de que as plantas podem ser mais inteligentes do que acreditamos.”

Fenómeno repete-se na Austrália

Fora da Namíbia, foram também encontrados círculos de fadas no deserto australiano. O investigador Stephan Getzin e a sua equipa viajaram para a Austrália e perceberam que os círculos também se formaram devido à competição entre plantas e à sua auto-organização.

Alguns investigadores vêem estes padrões espaciais como uma potencial ferramenta para lidar com ambientes mais quentes e secos, que estão sempre a aumentar com as alterações climáticas.

"As pessoas falam de pontos de ruptura, aproximando-se de um ponto em que um sistema entra em colapso", disse o físico Ehud Meron, da Universidade Ben-Gurion do Negev, em Israel, que publicou artigos com Getzin. "Existem muitos caminhos alternativos de resposta. Algumas delas são resilientes.”

Meron e os seus colegas estão a estudar a forma como os ecossistemas ameaçados podem sobreviver através da formação de padrões espaciais. A sua investigação mostra que a vegetação irá rearranjar-se e auto-organizar-se em resposta ao grau de secura do ambiente.

Um ambiente com muita água pode ter vegetação uniforme, mas a vegetação torna-se mais irregular à medida que a precipitação diminui. É uma forma de as plantas competitivas maximizarem a disponibilidade de água.

A vegetação uniforme pode transformar-se em padrões de fendas (como os círculos das fadas). Os padrões de fendas podem transformar-se em bandas de vegetação em climas ainda mais secos. Quando a precipitação diminui ainda mais, as bandas podem transformar-se em pontos.

Investigadores sugerem ideias diferentes

Nem todos estão de acordo com a explicação de Getzin. A ecologista australiana Fiona Walsh e os seus colegas defendem que os círculos de fadas na Austrália foram criados por térmitas. No entanto, Getzin disse não ter encontrado provas robustas da presença de térmitas nas suas amostras: nem na Austrália, nem na Namíbia.

Marion Meyer, um outro investigador de círculos de fadas, não acredita que as térmitas ou formigas sejam a causa dos círculos de fadas namibianas, mas continua a achar a explicação de Getzin pouco convincente.

E propõe outra teoria: uma planta tóxica chamada euforbia cresceu em tempos onde os círculos de fadas estão agora e matou micróbios benéficos, que ajudam as ervas a sobreviver no deserto. O investigador disse que o látex tóxico da planta também impediria o solo de absorver a água, explicando a falta de água perto da superfície do círculo.

Getzin também publicou estudos e literatura que contrariam a teoria dos micróbios de Meyer, mas Meyer disse que "na ciência, é bom discordar e perguntar".

"É muito difícil provar conclusivamente os círculos de fada", disse Meyer, um químico de plantas da Universidade de Pretória, na África do Sul. "Penso que, daqui a muitos anos, um cientista irá fornecer mais provas. Então, eventualmente, a teoria correcta será aceite. Mas, neste momento, ainda está em aberto.”

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