Grupo socialista do PE propõe a revogação de “todos os privilégios” dos antigos eurodeputados

Membros do grupo S&D estão no centro das investigações do escândalo de corrupção Qatargate. Líder da bancada quer apertar as regras internas do Parlamento Europeu.

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Plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo EPA/JULIEN WARNAND

A proposta do grupo dos Socialistas & Democratas para a reforma dos procedimentos internos do Parlamento Europeu, apresentada esta quinta-feira à conferência de presidentes da instituição, prevê a constituição de uma comissão especial sobre integridade, transparência e corrupção, com “um mandato bem definido” e “limitado no tempo”, até ao estabelecimento de um novo organismo independente de ética, há muito reivindicado.

“Um novo órgão de ética, responsável pela supervisão de todas as instituições da União Europeia, deve ser estabelecido antes do final desta legislatura. A Comissão comprometeu-se a avançar em 2021, e o Parlamento Europeu lembrou o executivo dessa obrigação numa resolução provada no mesmo ano. Chegou o momento de agir”, defendeu a presidente do S&D, Iratxe García, no documento entregue aos dirigentes dos restantes grupos parlamentares.

Segundo a líder da bancada socialista, trata-se de um “primeiro conjunto de propostas” que fazem parte de um plano mais ambicioso cujo objectivo é “promover, reforçar, prevenir e combater a corrupção e a interferência de países terceiros e lobbies no Parlamento Europeu”.

“Estamos totalmente empenhados nessa luta, e por isso temos vindo a analisar o que pode ser melhorado em termos de transparência e ética, bem como no nosso código de conduta”, afirmou a eurodeputada espanhola, para quem não basta o reforço das regras existentes. “Precisamos de novas medidas e de novos órgãos”, considerou.

No olho do furacão do escândalo conhecido como Qatargate — que implica membros actuais e antigos da sua bancada, alguns dos quais se encontram em prisão preventiva, acusados de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa — os socialistas querem apertar as regras relativas às declarações públicas dos interesses e das actividades dos eurodeputados, e também os critérios para a inscrição e verificação dos indivíduos e organizações alistados no Registo de Transparência e com acesso ao Parlamento Europeu.

Recorde-se que o esquema ilegal exposto pela justiça belga envolve o pagamento de avultadas quantias de dinheiro (vivo) a eurodeputados e dirigentes de organizações não-governamentais ligados ao trabalho de determinadas comissões do Parlamento Europeu, para influenciar as decisões daquela instituição a favor dos interesses do Qatar.

Para já, foram formalmente acusados a eurodeputada grega do PASOK, Eva Kaili, que era uma dos 14 vice-presidentes do Parlamento Europeu, e o seu companheiro Francesco Giorgi, fundador da organização não-governamental “Fight Impunity” [Combater a Impunidade] que trabalhava para o PE como assessor para a região do Médio Oriente e Norte de África.

Segundo as autoridades, o “cabecilha” do esquema seria o ex-eurodeputado socialista italiano, Pier-Antonio Panzeri, que deixou o Parlamento Europeu em 2019, após três mandatos consecutivos, e assumiu a presidência da “Fight Impunity”.

As investigações, que ainda prosseguem, concentram-se sobretudo no trabalho desenvolvido pela sub-comissão dos Direitos Humanos do Parlamento Europeu. Além dos arguidos já detidos e das suas ligações ao Qatar, estão também a ser analisados os contactos de outros membros eleitos com representantes do reino de Marrocos.

Os dirigentes do S&D pretendem acabar com este circuito fechado de colaborações e ligações entre eurodeputados, assistentes e funcionários do Parlamento Europeu, e representantes de ONG e grupos de interesses — particularmente de países terceiros.

Nesse sentido, querem “obrigar os eurodeputados a fornecer informações mais detalhadas e completas sobre as suas actividades, que serão tornadas públicas”, nomeadamente a sua participação em conselhos administrativos ou consultivos, ou outros órgãos directivos de quaisquer organizações, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos.

Também pretendem tornar o que designam como “pegada legislativa” obrigatória para todos os membros eleitos, e para acabar com as portas giratórias, defendem que sejam “revogados de todos os privilégios dos antigos eurodeputados ligados ao apoio do secretariado” do Parlamento Europeu, entre os quais o direito de entrada sem qualquer tipo de registo.

O reforço da vigilância e escrutínio proposto pelo S&D abrange também os assistentes parlamentares e os funcionários do Parlamento Europeu, que de acordo com o documento, só poderiam reunir com “representantes de terceiros” que tivessem a sua inscrição no Registo de Transparência previamente verificada, e estariam obrigados a publicitar todas as reuniões na sua agenda.

Finalmente, o grupo do S&D propõe o fortalecimento do sistema de protecção de denunciantes (whistleblowers), uma medida que a Transparência Internacional lamentou não ter encontrado no rascunho de reforma elaborado pelo gabinete da presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola.

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