Joshimath, a cidade dos Himalaias que se está a afundar

Governo indiano declarou estado de calamidade e mandou retirar 700 famílias depois do desmoronamento de um templo e de várias casas na localidade de 16 mil habitantes.

Foto
Joshimath: há 14 meses que locais chamavam a atenção das autoridades para o perigo, acusa o residente Atul Sati DR

É o último exemplo de como o ser humano pode arruinar um ecossistema. Os ambientalistas dizem que o desenvolvimento acelerado e sem plano da cidade indiana de Joshimath, situada a quase 1900 metros nos Himalaias, acabou por tornar mais vulnerável um ecossistema que já por si é frágil. No sábado, um templo e dezenas de casas desmoronaram-se e centenas apresentam rachas nas paredes e ameaçam desabar.

O Governo indiano considera que pelo menos 700 famílias devem abandonar as suas casas durante esta semana, depois de ter sido ordenada a evacuação parcial da localidade de 16 mil habitantes, e o primeiro-ministro, Narendra Modi, garantiu às autoridades do estado de Utaracanda, onde Joshimath se situa, toda a ajuda possível para tentar salvar a cidade de cair no buraco que se abriu debaixo dela. Já 400 pessoas foram retiradas para locais mais seguros.

Porta de entrada para alguns conhecidos locais de peregrinação, como Badrinath, sagrada para os hindus, e Hemkund Sahib, sagrado para os sikhs, Joshimath foi agora classificada pelas autoridades de Utaracanda como um lugar inseguro para viver.

“A operação de evacuação está em curso e uma equipa de cientistas de diversos institutos têm tentado identificar a causa e perceber como podem conter a situação”, disse o responsável Himanshu Khurana, do distrito de Chamoli, onde se localiza Joshimat, citado pela Reuters. Algumas casas serão demolidas por motivos de segurança.

O morador Prakash Bhutiyal disse que as rachas apareceram em sete das 11 divisões da pensão de que é proprietário e onde também mora. A sua família estava à espera de ser levada para um local mais seguro, afirmou. “A nossa família de nove pessoas foi forçada a viver num só quarto”, explicou o homem de 50 anos. “Os nossos pertences ficaram todos a céu aberto.”

Oito hotéis em cidades próximas abriram as suas portas para quem decidisse sair de modo próprio, segundo autoridades do município de Chamoli. No total, o governo do estado preparou alojamento para 1500 pessoas, número que pode aumentar nos próximos dias.

Foto
Rio Dhauliganga no distrito de Chamoli, perto de Joshimath Anushree Fadnavis/REUTERS

Há anos que peritos alertam para os perigos de trabalhos de construção em grande escala, incluindo de duas grandes centrais hidroeléctricas, em Joshimath e perto da localidade, que poderiam levar ao abatimento de terras, com a superfície do terreno a resvalar ou a afundar-se. A empresa de energia NTPC, a maior da Índia, disse que os seus trabalhos não podem ser responsabilizados pelas rachas que surgiram nos edifícios.

“A nossa cidade está a afundar-se”

Atul Sati, que tem criticado a inacção do Governo para fazer algo para deter o abatimento de terras, disse que os habitantes tentam, já há 14 meses, mal apareceram as primeiras rachas em algumas casas, chamar a atenção das autoridades para o problema. “A administração só acordou quando a situação começou a ser grave, e agora começaram esforços de resgate”, disse. “A nossa cidade está a afundar-se e temos de a salvar.”

Piyoosh Rautela, director executivo do centro de gestão e mitigação de catástrofes, disse que o abatimento se deveria, provavelmente, a uma falha aberta num aquífero. “As autoridades estão a trabalhar nisto e a única maneira de conter o problema é desviar o fluxo de água com um canal”, cita a Reuters.

Uma equipa de especialistas examinou danos em 600 dos 4500 edifícios da cidade e recomendou que as casas que apresentem os danos mais graves sejam demolidas.

No distrito de Chamoli, as cheias de 2021 causaram mais de 200 mortos e causaram danos em duas futuras centrais hidroeléctricas, causando alarme entre alguns cientistas que estudam alterações climáticas e o seu efeito nas montanhas mais altas do mundo.

A cidade era apontada no mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) como “um aviso muito sério de que estamos a interferir com o ambiente de um modo que é irreversível”, disse Anjal Prakash, um dos autores, atribuindo o problema ao projecto das centrais hidroeléctricas.

Para Prakash, há dois aspectos: o primeiro “é o grande desenvolvimento de infra-estruturas que está a acontecer num ecossistema muito frágil como são os Himalaias, e que está a acontecer sem muito planeamento que permita proteger o ambiente”. O segundo é que “as alterações climáticas são um multiplicador”, ou seja, “o modo como as alterações climáticas se estão a manifestar em alguns dos estados montanhosos da Índia não tem precedentes”.

Em zonas tão frágeis, sublinhou o cientista, bastam “pequenas alterações para levar a grandes desastres” – e é isso “que estamos a ver acontecer em Joshimath”.

Sugerir correcção
Comentar