Ser(-se) professor

Enquanto soubermos que são os estudantes que nós servimos, que é para eles que lá estamos e que existem pequenos sinais de que alguém guardou o trabalho que dispensamos, o dia está ganho.

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Jose Sergio

A meio da limpeza, uma notificação interrompeu o processo. Era uma mensagem de uma antiga aluna, qualquer coisa deste género:

– A professora já não está na escola?

Sobressaltou-me de imediato, a vida nómada e precária da profissão, os laços que resistem ao espaço, acima de tudo, o reconhecimento, nunca tardio, da partilha.

- Não, fui destacada para outro sítio.

Outro sítio longe, outro sítio diferente, um sítio no qual se começa tudo de novo. Entre a curiosidade e o nervosismo, surgem as palavras da colega Carla Carvalho: "O professor está sempre a perder". Não era um queixume, é a descrição da realidade. Sempre que a educação transborda os limites do ensino, sabemos que vamos perder. Mas sabemos também que deixamos bocadinhos de nós por onde andamos, deixamos as palavras ditas, as gargalhadas compartilhadas, histórias de um pequeno mundo que emerge e cresce em intervalos de tempo.

Entre a sobrecarga burocrática e o tempo de educar é a partilha de conhecimento que deve permanecer. Deve expandir-se no tempo e no espaço. No teste fazem-se contas à terminologia correcta, à estrutura, ao certo e ao errado. Coisas chatas, mas necessárias. Mas o que fica é o que vale. E o que vale é o reconhecimento do tempo vivido, a experiência do conhecimento, da reflexão, a conversa leve que nem aparenta o conteúdo. Mas transmite-o, transformando-nos a nós e a quem nos ouve. E engana-se quem pensa que são todos iguais, ou que são quase todos iguais. São todos diferentes. E ainda bem, caso contrário a educação e, consequentemente, a democracia não teriam fundamento.

Uma educação democrática transforma um país. A educação não é educação se não for democrática, se não se compreender que o seu âmago é o diálogo crítico, a capacidade de (se) ouvir e (se) expressar. Os valores que encontramos ausentes na sociedade devem ser o substrato de uma aula, imersos de humor, companheirismo e compreensão. Aparentemente não é nada, mas são os pequenos nadas que enchem um balão.

Tenho descoberto, a algum custo, que é normal passar 11 horas na escola, que não podemos fazer tudo, que não temos a certeza de que a aprendizagem se efectiva, que a pressão de pares é real, entre muitos outros espinhos. Espinhos que passam despercebidos ao Ministério da Educação, por muitas greves e acções simbólicas que sejam feitas, como as dos últimos dias. São espinhos que atravessam a dinâmica e estabilidade, imprescindíveis para a escola pública e para a formação de uma consciência social.

Mas, e que bom mas este é, enquanto soubermos intencionalmente que são os estudantes que nós servimos, que é para eles que lá estamos e que existem pequenos sinais de que alguém guardou o tempo e o trabalho que dispensamos, o dia está ganho.

A educação segue o seu processo complexo, entre os ditames do sistema e interpessoalidade da relação pedagógica, mas segue. Ainda bem que deixamos um pouco de nós, que alguém pegou no pouco que fomos tentando partilhar, é indício de que é necessário.

E a necessidade sublinha o valor da educação.

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