Universidade do Algarve atribui prémio à lista vermelha das actividades artesanais

É muito difícil encontrar o abegão, artífice do “carro de besta”. Da mesma família, o albardeiro também quase desapareceu. Um estudo que reuniu estes profissões recebe o prémio Gomes Guerreiro.

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Cestaria em cana Annie Waterman
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Renda de bilros bruno Rodrigues
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Pormenor de coser a albarda Vitória Horta
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Pormenor de coser a empreita Bruno rodrigues

O desenvolvimento turístico, no Algarve, não evitou o declínio e até quase extinção de algumas das actividades artesanais da região. A Universidade do Algarve (Ualg), durante a cerimónia do 43ª aniversário que decorre esta tarde, vai atribuir o prémio Manuel Gomes Guerreiro - o primeiro reitor da Ualg - à Lista Vermelha das Actividades Artesanais do Algarve. Este estudo já foi publicado em livro e tem como base 174 entrevistas, recolhidas junto de pessoas cuja média de idade são 64 anos. As premiadas são Graça Palma e Susana Martins, duas investigadoras do Projecto TASA - Técnicas Ancestrais Soluções Actuais. Desenvolvem este trabalho há nove anos, sobretudo nas zonas do interior da região, onde ainda há gente com memória de artes e ofícios que não se apagaram na poeira dos novos tempos.

O último abegão, o homem que faz carroças (carros de besta), tem 80 anos de idade. O mesmo acontece com o albardeiro (artesão que produz selas rústicas) e o molins, uma espécie de coleira almofadada onde assenta a canga, que permite ao animal puxar a carroça ou a charrua e o arado. Os exemplos das raridades em trabalhos manuais multiplicam-se por outras actividades, que perderam relevância económica e social. De um conjunto de 26 profissões que foram estudadas, 15 estão na contingência de passar à história como peças de museu ou objectos decorativos para inglês ver. Os mercados e feiras foram invadidos por peças vinda da China e de outras paragens.

A ideia de se realizar uma Lista Vermelha das Actividades Artesanais Algarvias, explica, no preâmbulo da obra, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR), José Apolinário, surge da necessidade de promover o “saber fazer”, valorizando a “relação equilibrada com o ambiente”. De resto, Manuel Gomes Guerreiro (que dá o nome ao prémio, no valor de dez mil euros) sintetiza numa das suas obras O Homem Perante si e o Ambiente o seu pensamento de ambientalista, em que se preocupa com a sustentabilidade do território.

O motivo pelo qual o artesanato de inspiração local tem vindo a perder seguidores “prende-se com a falta de valorização do produto”, diz João Ministro, responsável pela Proactivetur, a empresa que gere o TASA, uma marca registada detida pela CDDR/Algarve.

O mercado turístico, observa João Ministro, “poderia, e devia, distinguir mais o trabalho de autor, peças únicas, com design moderno”. Porém, a realidade é bem diferente: “As peças importadas, da China ou doutros lugares, chegam ao mercado duas ou três vezes mais baratos”. Por conseguinte, conclui, a tendência é para produzir mais e por menos custo. “Não se dá valor à história e à pessoa que faz cesto ou alcofa”.

Por sua vez, Graça Palma detecta um sinal positivo, em determinado tipo de visitantes: “Começa-se a notar uma procura crescente por peças de carácter etnográfico, genuínas, sem pinturas, usadas no quotidiano”.

Talvez assim se consiga contrariar o aumento de actividades presentes na lista vermelha. Como é o caso do ferrador. Apenas um jovem de 37 anos trabalha neste ofício, embora estejam identificadas mais três pessoas detentoras do saber, sem que encontrem interessados a quem passar o conhecimento. A história de Igor Silva, o ferrador, referem Graça Palma e Susana Martins, “é um exemplo e uma inspiração para a recuperação e rejuvenescimento de ofícios tradicionais, que encontram o seu espaço na adaptação a nichos de mercado”

As alcofas e outras peças trabalhadas com empreita de palma, embora não estejam em vias de desaparecer, figuram na lista do Património Cultural Imaterial (PCI) a salvaguardar. Este tipo de artesanato é praticado essencialmente por mulheres, com uma idade média de 67 anos. Os relatos orais, recolhidos para a elaboração do estudo, descrevem as autoras, evoca um ambiente da segunda metade do século XX. Grupos de mulheres a “fazer empreita, sentadas às soleiras das portas, no Verão, ou em casa de vizinhas junto à lareira, no Inverno, em momentos de menor actividade no campo”.

O júri, presidido pelo vice-reitor para a investigação e cultura, Nuno Bicho, justifica o galardão, patrocinado pelos municípios de Faro e Loulé, pelo “impacto que pode ter na região, na preservação das tradições e etnografia, bem como no potencial de desenvolvimento económico que pode advir deste trabalho”. Francisco Louça, catedrático de economia, Helena Pereira, presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), entre outros, integraram o conjunto dos professores que analisou 19 trabalhos submetidos a concurso.

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