Ontem, Ronaldo foi amado

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Ronaldo no banco no Portugal-Suíça Reuters/KAI PFAFFENBACH

Diz-se que ontem Cristiano Ronaldo foi pisado. E foi. Mas também foi amado. No Qatar, Ronaldo foi muito amado, mesmo quando o mundo ruía sobre a sua cabeça.

Ontem, o melhor jogador da história de Portugal começou uma nova vida. E esta ideia está longe de ser uma morte futebolística ao capitão da selecção – essa cerimónia “fúnebre” já ele terá organizado para si próprio nos últimos meses. O que se passou ontem, em Lusail, foi mais profundo do que isso.

É o Mundial mais importante da sua carreira, no qual tem de mostrar ao mundo que ainda é de primeiro nível, para poder arranjar um clube que queira pagar-lhe – além do tête-à-tête supremo com Messi, no último Mundial de ambos.

Neste cenário, o melhor jogador da história de Portugal, depois de se auto-sabotar ao destratar novamente um treinador em público, foi colocado fora da equipa que teria por missão decidir o futuro da selecção. O melhor jogador da história de Portugal, aquele que mais vezes aparece na minha colecção de camisolas de futebol, foi colocado num papel que nunca foi o seu. Por culpa própria.

E ontem, em Lusail, sentiu-se algo extraordinário. Foi flagrante e contundente a forma como os jornalistas – portugueses e não só – estavam deliciados a verem João Félix jogar como jogava e Gonçalo Ramos marcar como marcava. Num plot digno de Hollywood, aquele era o dia em que o melhor jogador da história de Portugal deixava de ser essencial, como já há muito se suspeitava, e, noutro prisma, o dia em que Félix era totalmente libertado do suplício Simeonesco. E que jogador está ali.

Ao lado, na bancada composta sobretudo por paquistaneses, indianos e de países árabes em geral, gritava-se pelo melhor jogador da história de Portugal. Ainda antes do jogo, o momento do hino nacional foi interrompido pela loucura árabe quando a imagem do melhor jogador da história de Portugal, a cantar “A Portuguesa” no banco de suplentes, apareceu no ecrã gigante – e sabemos todos que um português, daqueles de Portugal, não pararia de cantar o seu hino para gritar por alguém. Porque nem ele, o melhor jogador da história de Portugal, tem uma honra desse calibre.

Mais tarde, já em jogo, gritava-se por ele. Suplicava-se ao homem que o tirou para que o devolvesse. Ao homem que foi desrespeitado para que soubesse respeitar. Ao homem que castigou para que perdoasse. E via-se a diferença clara entre quem queria mais Félix e quem só queria o melhor jogador da história de Portugal. Só o queriam a ele, acontecesse o que acontecesse no relvado. Para eles, era só ele.

No estádio de Lusail, o melhor jogador da história de Portugal mostrou ser alguém que, por estes dias, não tem os seus, mas ainda tem os outros. E que premissa violenta é esta – ele, o melhor da história de Portugal, não tem os seus, mas ainda tem os outros.

Se calhar, se quer ser amado, o melhor jogador da história de Portugal tem mesmo de ir para a Arábia. Será um final cruel e desonroso, mas não será necessariamente um final triste – será, pelo menos, um final com amor.

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