Vírus “zombie” estão a descongelar por causa do clima. Mas não entre em pânico (ainda)

Cientistas já encontraram 13 organismos presos no gelo na região siberiana da Rússia. Estes “vírus zombie” são inofensivos mas são mais uma prova das mudanças do clima e do aquecimento global.

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As regiões polares têm vindo a descongelar, trazendo consigo vários organismos desconhecidos EPA/ALBERTO VALDES

O degelo do permafrost devido às alterações climáticas pode expor um vasto depósito de vírus antigos, segundo uma equipa de investigadores europeus, que dizem ter encontrado 13 agentes patogénicos anteriormente desconhecidos que tinham ficado presos no solo anteriormente congelado da ampla região siberiana da Rússia.

Cientistas encontraram um vírus que estimaram ter ficado preso debaixo de um lago há mais de 48.500 anos, disseram, destacando um novo potencial perigo de um planeta em aquecimento: aquilo a que chamaram de vírus “zombie”.

A mesma equipa de investigadores franceses, russos e alemães isolou anteriormente vírus antigos no permafrost [o solo gelado no hemisfério Norte] e publicou as suas descobertas em 2015. Esta concentração de vírus frescos insinua que tais agentes patogénicos são provavelmente mais comuns na tundra (vegetação proveniente do degelo) do que se acreditava anteriormente, sugerem numa pré-publicação que publicaram no mês passado no website BioRxiv, um portal onde muitos cientistas fazem circular a sua investigação antes de esta ser revista pelos pares e aceite numa revista científica.

“Sempre que procurarmos, encontraremos um vírus”, afirmou Jean-Michel Claverie, co-autor do estudo e professor emérito de virologia na Aix-Marseille Université, em França, numa entrevista por telefone. “É uma coisa garantida. Sabemos que, sempre que vamos procurar vírus infecciosos no solo gélido, vamos encontrar alguns”.

Embora os que estudaram fossem infecciosos apenas para as amebas [organismos unicelulares], os investigadores admitem o risco de que outros vírus aprisionados no solo durante milénios possam propagar-se aos seres humanos e outros animais.

Virologistas que não estiveram envolvidos nesta investigação defendem que o espectro de futuras pandemias a serem desencadeadas a partir das planícies siberianas ocupa uma posição baixa na lista das actuais ameaças à saúde pública. A maioria dos vírus novos – ou antigos – não são perigosos, e os que sobrevivem ao congelamento profundo durante milhares de anos tendem a não estar na categoria dos coronavírus e de outros vírus altamente infecciosos que levam a pandemias, reforçam.

“Um grande congelador natural”

As conclusões desta equipa de cientistas ainda não foram revistas pelos pares. Mas outros virologistas independentes afirmam que as suas descobertas pareciam plausíveis, e basearam-se nas mesmas técnicas que produziram outros resultados semelhantes.

Vale a pena monitorizar os riscos dos vírus que se acumulam no Árctico, segundo vários cientistas. A varíola, por exemplo, tem uma estrutura genética que pode resistir a um congelamento prolongado e, se as pessoas tropeçassem em cadáveres descongelados das vítimas de varíola, há a possibilidade de serem infectadas de novo. Outras categorias de vírus – tais como os coronavírus que causam a Covid-19 – são mais frágeis e menos susceptíveis de sobreviver ao congelamento profundo.

“Na natureza, temos um grande congelador natural, que é o permafrost siberiano”, explica Paulo Verardi, um virologista que é o chefe do Departamento de Patobiologia e Ciências Veterinárias da Universidade de Connecticut. “E isso pode ser um pouco preocupante”, especialmente se os agentes patogénicos forem congelados dentro de animais ou pessoas, acrescenta.

Mas, segundo o virologista, “se se fizer uma avaliação de risco, este é muito baixo”, afirmou. “Temos muito mais coisas com que nos preocupar neste momento”.

Para a investigação mais recente, a equipa europeia recolheu amostras de vários locais na Sibéria ao longo de uma série de anos, com início em 2015. Os vírus que encontraram – de um tipo invulgarmente grande que infecta amebas – estiveram activos há milhares e, em alguns casos, há dezenas de milhares de anos. Algumas das amostras encontravam-se no solo ou nos rios, embora um dos vírus de que as amebas foram alvo tenha sido encontrado nos restos congelados de um lobo siberiano de pelo menos 27 mil anos atrás, disse a equipa.

Os investigadores utilizaram as amebas como “isco para vírus”, relataram, porque pensavam que seria uma boa forma de procurar vírus sem propagar os que pudessem contagiar animais ou seres humanos. Mas disseram que isso não significava que estes vírus não existissem na tundra congelada.

Vírus dos tempos modernos, como a gripe, são as maiores ameaças

A Sibéria está a aquecer a uma das taxas mais rápidas da Terra, cerca de quatro vezes mais do que a média global. Durante muitos verões recentes, tem sido flagelada por incêndios e temperaturas que atingem os 37,7 graus Celsius. E o permafrost – solo que permanece congelado mesmo durante o Verão – está a descongelar rapidamente. Isto significa que os organismos que estiveram presos durante milhares de anos estão agora a ser expostos, uma vez que períodos mais longos de descongelação à superfície do solo permitem que objectos que tinham ficado presos no subsolo venham à superfície.

Os investigadores dizem que a hipótese de humanos encontrarem carcaças de humanos ou animais está a aumentar, especialmente na Rússia, cujo extremo norte é mais densamente povoado do que as regiões árcticas de outros países. A equipa reuniu algumas das suas amostras em Yakutsk, capital regional e uma das cidades de crescimento mais rápido da Rússia, devido a uma explosão da indústria mineira.

O aquecimento do solo árctico já foi anteriormente associado a surtos de doenças infecciosas. Um surto de carbúnculo que atingiu uma remota aldeia siberiana em 2016 foi ligado a uma carcaça de rena de 75 anos de idade que tinha emergido do solo congelado. Mas o carbúnculo, que não é um vírus, não é exclusivo da Sibéria e é pouco provável que cause pandemias generalizadas.

Muitos virologistas dizem que estão mais preocupados com os vírus que circulam actualmente entre os humanos do que com o risco de vírus invulgares provenientes do permafrost.

Novos micróbios emergem ou reemergem constantemente, Anthony S. Fauci, o director do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, esclareceu ao The Washington Post em 2015, quando as primeiras descobertas dos investigadores do solo gélido foram divulgadas.

“Este é um facto do nosso planeta e da nossa existência”, afirmou. “A descoberta de novos vírus no solo não é muito diferente de tudo isto”. A sua relevância dependerá de uma sequência de acontecimentos improváveis: o vírus congelado deve ser capaz de infectar humanos, deve então [causar doenças], e deve ser capaz de se espalhar eficientemente de humano para humano. Isto pode acontecer, mas é muito improvável”.

Mais problemáticos, dizem muitos virologistas, são os vírus dos tempos modernos que infectam pessoas e levam a doenças, por vezes, difíceis de controlar, tais como o Ébola, a cólera, a dengue e mesmo a gripe comum. Os vírus que causam doenças em seres humanos têm poucas probabilidades de sobreviver ao ciclo de descongelamento e congelamento repetidos que acontece ao nível da superfície do solo gélido. E a propagação em mosquitos e carraças que tem estado ligada ao aquecimento global é mais susceptível de infectar os seres humanos com agentes patogénicos, defendem alguns especialistas.

Um vírus extinto “parece ser um risco baixo comparado com o grande número de vírus que circulam entre vertebrados em todo o mundo e que provaram ser ameaças reais no passado, e onde eventos semelhantes podem acontecer no futuro, uma vez que ainda nos falta um quadro para reconhecer os que estão à frente do tempo”, afirma Colin Parrish, virologista da Universidade de Cornell e presidente da Sociedade Americana de Virologia.

Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO

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