Mundo vai “pagar” caro pelo degelo do solo nas regiões polares

A revista Nature Reviews Earth & Environment publicou vários estudos sobre as alterações físicas, biogeoquímicas e dos ecossistemas relacionadas com o degelo do permafrost e os impactos associados.

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Gasodutos perto de uma instalação de processamento de gás, em Bovanenkovo, na península de Yamal Árctico, Rússia REUTERS/Maxim Shemetov

Tudo tem um custo e, no caso do aquecimento e degelo do permafrost, tudo indica que a factura que já estamos a pagar vai aumentar consideravelmente. Desde a libertação do carbono preso no solo gelado das regiões polares com o aquecimento global provocado pelo homem até à necessária protecção dos edifícios na Rússia ou da rede de estradas no Tibete, o impacto promete ser forte e muito abrangente. Um conjunto de estudos publicados agora na Nature Reviews Earth & Environment avalia os possíveis danos associados ao degelo do permafrost.

“Aproximadamente 30-50% das infra-estruturas circumpolares críticas no Árctico podem estar em alto risco de danos como resultado do descongelamento do permafrost devido ao aquecimento antropogénico”, conclui uma das várias análises sobre este tema publicadas na mais recente edição da Nature Reviews Earth & Environment. A revista publica seis trabalhos que reforçam a ideia de que o aquecimento e o descongelamento do permafrost rico em gelo representam “uma ameaça considerável à integridade das infra-estruturas polares e de alta altitude”.

Mas há assim tanta coisa construída em cima do solo gelado? Sim. Há caminhos-de-ferro, residências, estradas, fábricas e redes de abastecimento de energia. Aquecida a lume brando pelo aquecimento global causado pelo homem, a plataforma gelada está cada vez menos firme. E, se o chão de gelo derreter, o que está em cima corre o risco de colapso. Um estudo divulgado na Nature Communications, em 2018, já tinha quantificado a dimensão dos possíveis estragos. Em 2050, concluía já esse artigo, três quartos da população situada na zona do permafrost do hemisfério Norte e 70% das infra-estruturas podem ser afectadas pelo descongelamento do solo.

Na revisão agora publicada, os cientistas exploram a extensão e os custos dos danos observados e previstos nas infra-estruturas associados à degradação do permafrost. A mudança do permafrost impõe várias ameaças às infra-estruturas.

“Os danos observados nas infra-estruturas são substanciais, com até 80% dos edifícios em algumas cidades russas e cerca de 30% de algumas superfícies de estradas no planalto de Qinghai-Tibete relatando danos”, conclui um dos artigos publicados. Com o aquecimento antropogénico, “prevê-se que os danos nas infra-estruturas continuem, com 30-50% das infra-estruturas circumpolares críticas a serem consideradas de alto risco até 2050”.

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REUTERS/Natalie Thomas

Num outro artigo, a equipa de investigadores avisa que com o aquecimento causado pelo homem “aproximadamente 69% das infra-estruturas residenciais, de transportes e industriais nas regiões de permafrost estão localizadas em áreas com elevado potencial de degelo do permafrost próximo da superfície até meados deste século”.

A factura e o feedback

Além da extensão dos danos, apresentam-se estimativas da factura a pagar. “Os custos das infra-estruturas relacionadas com a degradação do permafrost poderão aumentar para dezenas de milhares de milhões de dólares americanos até à segunda metade do século.” No resumo da revista que faz a leitura dos vários trabalhosos apresentados, destaca-se um exemplo concreto destes cálculos. “Na Rússia, o custo total de apoio e manutenção das infra-estruturas rodoviárias devido à degradação do permafrost de 2020 a 2050 está estimado em cerca de 7000 milhões de dólares americanos para a rede existente, sem qualquer desenvolvimento adicional.”

Depois há um outro risco que é menos visível, mas tanto ou ainda mais prejudicial: entre o metano e o dióxido de carbono, as regiões árcticas de permafrost armazenam quase 1,7 triliões de toneladas de carbono orgânico congelado. É, já se tem dito, basicamente o dobro do carbono que hoje está presente na atmosfera. Se (ou quando) o aquecimento global o descongelar, estas áreas vão libertar uma grande quantidade deste carbono para a atmosfera. Eis o chamado “fenómeno de feedback do carbono do permafrost”. O que será libertado do gelo para a atmosfera por causa do aquecimento vai, por sua vez, contribuir para influenciar o clima e trará mais aquecimento, que, por sua vez, vai descongelar mais permafrost.

O processo parece imparável, mas há, segundo os autores dos estudos, alguma formas identificadas que serão capazes de aliviar estes impactos. Fala-se, por exemplo, de aterros de convecção de ar (que utilizam uma camada de pedra porosa para gerar convecção dentro dos aterros e melhorar a extracção de calor). Propõem-se ainda termossifões e fundações de estacas, “com sucesso comprovado no pré-aquecimento e arrefecimento das infra-estruturas assentes no permafrost e na estabilização destas”.

Numa outra análise deste conjunto de trabalhos, os investigadores sustentam que os aumentos da temperatura do permafrost não serão iguais em todo o lado. Vão variar pelas interacções entre clima, vegetação, cobertura de neve, espessura da camada orgânica e conteúdo de gelo moído. “Em permafrost com temperaturas mais elevadas (temperaturas próximas de zero graus Celsius), as taxas de aquecimento são tipicamente inferiores a 0,3 graus Celsius por década, como se verifica nas regiões subárcticas. No entanto, em permafrost mais frio (temperaturas inferiores a dois graus Celsius negativos), como se vê no Árctico de alta altitude, é visível um aquecimento de até cerca de um grau Celsius por década”, notam.

Além de se pôr algumas medidas em marcha para prevenir os danos nas estruturas construídas em cima de chão gelado e, mais acima, na atmosfera, é preciso investigar mais, reclama os cientistas. É preciso perceber melhor como o permafrost vai reagir ao ambiente que o rodeia e às suas mudanças, para conseguir previsões mais exactas sobre a resposta futura destas áreas geladas e das suas consequências, sobretudo em zonas que sejam identificadas como de alto risco. É preciso saber mais sobre o perigo para o conseguir evitar ou, pelo menos, minimizar.

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