Devo pesar-me todos os dias?
Quando alguém entra numa consulta com o discurso de “nem me quero pesar hoje” ou “até tenho medo de olhar para a balança” é sinal de que existiu uma perda de controlo substancial na alimentação/peso.
A resposta a esta pergunta é já um clássico “depende”, sendo neste tópico muito fácil perceber quem mais beneficia ou pode ser prejudicado por esta prática. E não é surpresa que quem mais precisaria de o fazer fá-lo poucas vezes e que quem até não deveria fá-lo vezes a mais.
Começando por um ponto prévio fundamental: quando falamos em pesagens diárias, parte-se do pressuposto de que esta é feita de manhã, em jejum, sem roupa, com bexiga e intestinos vazios e sempre na mesma balança. Assim asseguramos que todos os “extras” da roupa, resíduo alimentar e hidratação estão controlados. É precisamente por estes extras que acorda sempre com menos peso do que quando se deita e que, grande parte das vezes, as pesagens de 2.ª feira de manhã são bem mais elevadas do que antes do fim de semana (sobretudo quando come muitos alimentos ricos em hidratos de carbono e sal).
Nunca vai aumentar 1kg de massa muscular num fim de semana (nem em um mês, por mais que treine e coma bem) e para ganhar 1kg de massa gorda em dois dias o excedente calórico tem de ser bem elevado. No caso das mulheres que denotem grandes flutuações de peso de acordo com o ciclo menstrual, o ideal é até fazer a média de 2-3 pesagens semanais, comparando apenas com a semana homóloga do ciclo menstrual seguinte.
Cumpridos estes pressupostos, podemos dizer que sim, faz sentido que estas pesagens sejam diárias ou pelo menos uma a duas vezes por semana, idealmente em dias que fujam do fim de semana (3.ª e 6.ª feira por exemplo). Esta é uma estratégia amplamente reconhecida como eficaz e importante quer na perda de peso (sobretudo quando acompanhada de outras intervenções alimentares e comportamentais), mas sobretudo na manutenção do peso perdido, sem causar nenhum efeito psicológico adverso.
É até normal que a frequência de pesagens seja maior no Outono do que no Inverno, maior na Primavera do que no Verão e maior no Verão do que no Outono, variando de acordo com os normais aumentos de peso no Outono-Inverno e diminuições na Primavera-Verão.
Quando alguém entra numa consulta com o discurso de “nem me quero pesar hoje” ou “até tenho medo de olhar para a balança”, é sinal de que existiu uma perda de controlo substancial na alimentação/peso, que é parte fundamental no processo de reeducação alimentar. Um reganho de peso que seja identificado com 0,5 ou 1 kg a mais numa semana, dificilmente evolui para valores maiores.
É fundamental que cada pessoa saiba “a quantas anda”, em vez de “chutar” a realidade e o problema para a frente e apenas se deparar com ele quando passado alguns meses volta (quando volta) ao nutricionista já com um peso idêntico ou superior ao da primeira intervenção. Fazendo uma analogia que não é assim tão descabida, acha que controla melhor as suas poupanças vendo o seu saldo bancário todos os dias/semanas ou apenas uma vez por mês?
Em processos de hipertrofia muscular, as pesagens regulares até permitem uma otimização do processo, pois com a monitorização do peso semanal percebe mais rapidamente quando atinge um plateau no peso e será necessário fazer um upgrade na quantidade de calorias, não correndo o risco de chegar a nova consulta com o peso estagnado há algumas semanas, não rentabilizando o tempo de treino entre consultas da melhor forma.
Quando falamos em pessoas com perturbações do comportamento alimentar, entramos numa dimensão totalmente diferente, onde não é preciso incentivar ninguém a pesar-se, pois essas pessoas já o fazem de forma excessiva (mais frequente e relevante na anorexia nervosa, mas também na bulimia, no transtorno de compulsão alimentar periódica — binge eating). Aliás, nestes casos, a frequência de pesagens é um indicador da severidade da patologia ao nível da restrição alimentar e preocupação com o peso, tal como o é a reacção negativa destes pacientes à sugestão das pesagens passarem a ser semanais (como é recomendado pela terapia cognitivo-comportamental).
Posto isto, é necessário ter a sensibilidade de recomendar esta estratégia altamente suportada na evidência apenas a pessoas que historicamente têm problemas de controlo de peso, sem as tratarem como “coitadinhas”, que não conseguem lidar com um número na balança (sobretudo depois de devidamente explicadas as variações agudas de peso). O discurso “unicorniano” de “não deixe a balança ou a fita métrica dizerem o quanto você está bem. Volte a conversar com você e a escutar as suas sensações, quem sabe como se sente melhor é você mesmo!” pode constituir-se como uma negação da realidade e o adiar de um problema que quanto mais rapidamente for encarado melhor.
O “peso ideal” não existe, mulheres com peso e IMC médio-altos sobretudo à custa de muita massa muscular é algo que se deseja e se deve incentivar. É tão bom perder o medo de ver o peso a aumentar à custa de massa magra, como perder o medo de voltar à balança para averiguar o estrago de dias/semanas/meses mais instáveis na alimentação.
Há um meio termo entre os fundamentalistas da alimentação saudável, em que tudo tem de ser pesado ao grama (e qualquer aumento de peso é altamente recriminado), e entre os puristas da aceitação corporal, onde toda e qualquer restrição e controlo é negativa e um atentado à liberdade individual.
Tendo em conta o período natalício de que nos aproximamos, algo que simboliza bem este equilíbrio é o seguinte: é melhor pesar-se todos os dias/semanas de forma racional e pragmática para garantir que o estrago natalício não é muito grande do que entrar no delírio coletivo das receitas de Natal fit e tirar/reduzir o açúcar da receita de rabanadas ou arroz-doce da avó/mãe, que se calhar só come uma vez no ano.