Frente Cívica: “A comissão da transparência foi desenhada para falhar”

Um mês depois, Andreia Neto ainda aguarda parecer sobre a existência de incompatibilidade entre o cargo de deputada e as funções que desempenha como gerente e sócia de duas empresas financeiras.

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João Paulo Batalha critica o facto de a comissão não procurar cruzar dados sobre os deputados com outras fontes além do registo de interesses Enric Vives-Rubio

A declaração de interesses da vice-presidente da bancada do PSD, Andreia Neto, que foi recentemente corrigida pela deputada por ter omitido informações relativamente aos cargos que desempenha em duas empresas que tem com o marido, vai ser alvo de um parecer que será analisado pela Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados (CTED). Um mês depois de o PÚBLICO ter denunciado a situação e de a deputada ter sido notificada para corrigir a sua declaração de interesses, ainda não foi feita a avaliação cabal da incompatibilidade da deputada.

“O parecer será feito pelo grupo de trabalho do registo de interesses que se debruçará sobre a questão do registo de interesses da senhora deputada Andreia Neto, na sequência da correcção da sua declaração”, declarou ao PÚBLICO Alexandra Leitão, que preside à CTED.

A deputada foi notificada pelos serviços da CTED na sequência da notícia do PÚBLICO que dava conta de que Andreia Neto acumula as funções de deputada com a gerência de uma sociedade por quotas, uma situação que é considerada “incompatível” com o exercício da actividade parlamentar.

No registo de interesses que entregou na AR, a deputada omitiu que era sócia da AMCO Intermediários de Crédito, Lda, uma sociedade por quotas, que se dedica à “recuperação e gestão de créditos”. Nesta empresa, supervisionada pelo Banco de Portugal, a deputada tem 26% do capital social. Da sua declaração também não consta que é sócia e gerente da AMCO Recuperação e Gestão de Créditos, Lda.

O vice-presidente da Frente Cívica, João Paulo Batalha, fala de “uma violação clara do estatuto dos deputados, pelo menos no espírito da lei, sem entrar qual pode ser a nomenclatura jurídica da empresa”. “Estamos a falar de uma empresa intermediária de crédito, e as instituições de créditos estão vedadas aos deputados. As instituições de crédito, pelas relações de empréstimo ou não empréstimo, têm uma enorme capacidade de criar influência e exercer influência sobre pessoas ou instituições nas decisões de crédito que tomam”, explicou.

Ao PÚBLICO, o jurista e consultor em políticas anticorrupção aponta falhas à CTED, afirmando que a verificação que faz das declarações dos deputados entregues no início do mandato “é meramente formal, protocolar”. “A comissão reage e pede esclarecimentos ou aplica medidas se houver falhas ou omissões que saltem à vista”, sublinha, frisando que “um trabalho de verificação a sério devia começar por cruzar a informação dada pelos deputados com outras bases de dados públicas, nomeadamente o fisco, Instituto dos Registos e do Notariado, precisamente para mapear empresas, instituições, cargos sociais, etc. A comissão de transparência não faz nada disso e não faz porque não quer. A comissão da transparência foi desenhada para falhar”, disse.

O professor catedrático da Faculdade de Economia do Porto Óscar Afonso declara que, “sendo gerente de uma sociedade de crédito, a deputada não pode acumular funções, até pelo próprio regulamento do Banco de Portugal”.

“Sendo deputada, não acho que seja eticamente correcto que seja também dirigente de uma empresa, ou escolhe uma coisa ou escolhe outra.” “[Andreia Neto] pode ser sócia de todas as empresas que quiser, não pode é ser sócia ou gerente e deputada”, reitera Óscar Afonso, que presidiu até há pouco tempo ao Observatório de Economia e Gestão de Fraude.

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