Maria de Lourdes Resende (1927-2022), eleita duas vezes Rainha da Rádio

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A cançonetista manteve-se activa durante mais de 40 anos DR

Maria de Lourdes Resende projectava ser cantora lírica, mas gravou êxitos como Alcobaça, e foi eleita rainha do espectáculo, em 1956, e por duas vezes da rádio, em 1955 e 1962. Morreu esta sexta-feira aos 95 anos.

O estilo interpretativo de Maria de Lourdes Resende era “intimamente ligado ao contexto radiofónico, caracterizava-se pela clareza de dicção, pela utilização de vibrato que se seguem ao ataque a notas sustentadas, pela exploração de dinâmicas mais fortes no registo médio e agudo, e por uma colocação de voz que permitia expressar alguma dramaticidade normalmente associada à letra”, segundo a Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX (2010).

A cançonetista, que se manteve activa durante mais de 40 anos, gravou sucessos como Alcobaça, Não, Não e Não, Feia, Nostalgia, Contra a Maré, Tenho 40 Namoros, Montanheira, Não percas a Esperança ou Moleirinha, um poema de Guerra Junqueiro musicado pelo padre Tomás Borba.

A intérprete começou a cantar com o pai, organista na igreja de Santa Cruz, no Barreiro, no distrito de Setúbal, e também em festas escolares e em colectividades recreativas na cidade. Tendo passado a residir em Alquerubim, no concelho de Albergaria-a-Velha, no distrito de Aveiro, actuou em espectáculos na Casa do Povo local.

Em 1945 candidatou-se como cantora à então Emissora Nacional, tendo-se estreado nesse ano, e fez parte de quartetos vocais femininos da rádio oficial, com os quais se apresentou nos populares “Serões para Trabalhadores”, promovidos pela então Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), antecessora da actual Fundação Inatel.

Lourdes Resende actuou posteriormente na Rádio Graça, acompanhada pelo Conjunto de Moniz Trindade, e no Rádio Clube Português, e, em 1948 recebeu o Prémio de Cançonetista no Concurso de Artistas Ligeiros da Rádio.

Em 1950 deslocou-se a Paris, por sugestão do jornalista Fernando Pessa (1902-2002) para actuar no âmbito do Plano Marshall, tendo sido acompanhada pelo conjunto de Paul Durand, e tornou-se a primeira artista portuguesa a actuar na televisão gaulesa, onde regressou meses depois.

Esta sua passagem por França levou-a a gravar Primavera em Paris (Jerónimo de Sousa/Nóbrega e Sousa) e Menina de Paris (João Silva Tavares/António Melo), acompanhada pelo Conjunto de Jorge Machado, e que fez parte de uma campanha promocional da companhia aérea Air France. Seguiu-se uma digressão de seis meses, entre 1952 e 1953, pelo Brasil, onde actuou também nas diferentes televisões e rádios, além de várias salas de espectáculo, tanto no Rio de Janeiro como em S. Paulo.

Em 1955, a convite do editor discográfico Manuel Simões (1917-2008), representou Portugal no Festival da Canção de Génova, onde conseguiu o 1.º lugar na categoria Canção Regional com Alcobaça, de Silva Tavares e Belo Marques.

O ano de 1955 foi de grande actividade, além de vencer um festival além-fronteiras, foi eleita pela primeira vez Rainha da Rádio, uma iniciativa da revista Flama, e estreou-se no teatro, como atracção nacional na revista Abril em Portugal, seguindo-se o musical Bailados e Cantares de Portugal, ambos produzidos por Vasco Morgado, no Teatro Monumental, em Lisboa.

A cançonetista voltou ao teatro em 1970 para protagonizar Um Chapéu de Palha em Itália, de Eugène Labiche, numa encenação de Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais.

Em 1956 foi eleita Rainha do Espectáculo, numa iniciativa da revista de música e especctáculos Plateia, no ano seguinte fez parte do elenco de Canções a Granel, um dos programas da emissão inaugural da RTP, produzido por Francisco Mata e realizado por Ruy Ferrão.

Lourdes Resende foi apontada como a cançonetista favorita do maestro Belo Marques, que além de Alcobaça, compôs para ela outras canções. Com letra e música de Belo Marques, Lourdes Resende gravou Feia, Puladinho, Dois Caminhos, Uma Carta de Amor e Mulher Pequenina, entre outras. A sua voz interessou a outros compositores e letristas, nomeadamente, Tavares Belo, António Melo, Nóbrega e Sousa, Jerónimo Bragança, Joaquim Luís Gomes e Fernando Silva.

Na década de 1960 a intérprete voltou a ser reconhecida, tendo recebido, em 1961 o Prémio Pozal Domingues para o Melhor Disco e o Óscar da Casa da Imprensa, e, em 1962, voltou a ser eleita Rainha da Rádio.

Nesta década realizou digressões a Angola e Moçambique, territórios então sob administração portuguesa, onde foi distinguida, respectivamente, como Maior Cançonetista Portuguesa (1967) e Voz Feminina do Ano em 1968, pela Rádio Clube de Moçambique.

Maria de Lourdes Resende actuou, para além de França, Brasil, Angola e Moçambique, na Alemanha, Inglaterra, Espanha, Bélgica, África do Sul e Canadá, onde venceu o Festival Internacional de Toronto, em 1966 (e classificou-se em 2.º, no ano seguinte, tendo pelas duas vezes recebido o Prémio de Interpretação). Representou também Portugal no Festival de Osaka, no Japão.

Ainda em 1967 concorreu ao Festival RTP da Canção com Não Quero o Mundo, que se classificou em 3.º lugar.

Em 1970 o Governo português condecorou-a com Comenda da Ordem de Benemerência, em palco, no Teatro Monumental, por ocasião dos seus 25 anos de carreira artística.

Nesta década, a cantora foi-se afastando dos palcos, apontando como causa, o facto de não gostar de cantar em playback e preferir ser acompanhada por orquestras a música previamente gravada. Mais tarde recusar-se-á mesmo a dar entrevistas, que não fossem em directo na rádio ou na televisão.

Em 1987 foi distinguida com as Medalhas de Prata dos Municípios do Barreiro, Alcobaça e Lamego, dois anos depois, em Abril de 1989, foi homenageada no Porto, numa iniciativa dos locutores Olga Cardoso e António Sala, da Rádio Renascença. A Câmara do Barreiro, cidade onde nasceu a 29 de Janeiro de 1927, voltou a distingui-la, desta feita com a Medalha de Ouro.

Em 29 de Abril de 1995 a intérprete, de seu nome completo Maria de Lourdes Dias Resende Vidal, actuou pela última vez num espectáculo em que celebrou os 50 anos da sua estreia. O município de Alcobaça considerou-a “A senhora que personifica Alcobaça” e atribuiu o seu nome a uma da rua da vila.

Os seus êxitos encontram-se compilados nos CD O Melhor de Maria de Lurdes Resende (1992), pela EMI Music-Valentim de Carvalho, e num editado em 1993 pela discográfica Estoril Discos, e, em 2009, O Melhor de Maria de Lourdes Resende, pela IPLAY/Valentim de Carvalho, além de fazer parte de várias colectâneas de música ligeira como Canções de Ouro (2010), com o selo da espanhola Novoson.

Em Janeiro de 2019, o Presidente da República condecorou a cantora com a Ordem do Mérito, grau comendador.

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