UE fala em “desconforto” mas afasta cenário de nova guerra comercial com os EUA

Ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 vão aproveitar próxima reunião do Conselho de Comércio para protestar contra medidas proteccionistas no pacote de combate à inflação da Administração Biden.

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João Gomes Cravinho e Hadja Lahbib, ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, na reunião de hoje, em Bruxelas EPA/OLIVIER HOSLET

Preocupados com o impacto negativo sobre a indústria europeia das medidas desenhadas pela Administração Biden para reduzir a inflação nos Estados Unidos, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia decidiram “oficializar” o seu protesto durante a próxima reunião do conselho transatlântico de Comércio e Tecnologia (TTC), na convicção de que ainda será possível encontrar um compromisso para evitar uma situação de desequilíbrio e discriminação da UE — ou será “uma corrida até ao fundo, em que cada lado do Atlântico aumenta a altura das muralhas sucessivamente”.

“Muitos dos subsídios verdes previstos na legislação para a redução da inflação discriminam as indústrias automóvel, de baterias, das energias renováveis, e de energia intensiva da União Europeia. Esta é uma preocupação séria e temos repetidamente levantado a questão com os nossos interlocutores dos Estados Unidos da América”, afirmou o vice-presidente executivo da Comissão Europeia e responsável pela pasta do Comércio, Valdis Dombrovskis, no final de uma reunião do Conselho dos Negócios Estrangeiros da UE, esta sexta-feira, em Bruxelas.

O Presidente norte-americano, Joe Biden, assinou a Lei para a Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) no passado dia 16 de Agosto: trata-se do maior pacote climático da história dos Estados Unidos, no valor de 430 mil milhões de dólares, que tem um duplo objectivo de redução das emissões de gases com efeito de estufa e de contenção da alta de preços.

Entre as medidas previstas, está por exemplo a atribuição de subsídios para a descarbonização da indústria automóvel, que obriga os fabricantes a comprar peças e baterias fabricadas nos EUA: uma cláusula designada como “Buy American” que, alega a UE, vai contra as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC).

“Acredito que estas medidas tenham sido pensadas sobretudo numa lógica interna, mas depois têm consequências internacionais muito significativas”, notou o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, que confirmou que todos os participantes na reunião do Conselho da UE manifestaram a sua preocupação com as medidas anunciadas pela Casa Branca que podem resultar num “desequilíbrio em favor das empresas americanas”.

Nesse sentido, os 27 querem aproveitar a próxima reunião do TTC, marcada para o próximo dia 5 de Dezembro, em Washington, para “indicar o desconforto partilhado por todos os Estados-membros”, na expectativa de que seja possível “encontrar, com os americanos, um mecanismo que permita uma abordagem consensual e dentro das regras da OMC”.

Como sublinhou Dombrovskis, o que a UE pede é “justiça” : “Queremos e esperamos que as empresas e exportações europeias sejam tratadas da mesma forma nos EUA que as empresas americanas e que as exportações são tratadas na Europa”, disse.

“As medidas propostas pela Administração Biden ainda carecem de finalização, e penso que é muito importante que da parte dos EUA olhem para as consequências em termos das suas obrigações no âmbito da OMC, e também em relação às consequências de um desequilíbrio comercial transatlântico”, prosseguiu o ministro dos Negócios Estrangeiros português, insistindo na importância de preservar a unidade política entre os dois lados do Atlântico, no actual contexto de invasão da Ucrânia pela Rússia.

“Os EUA têm sido um verdadeiro aliado da UE no apoio à Ucrânia, entre muitas outras questões, e a última coisa que devemos fazer é criar distracções desnecessárias ou abrir potenciais novas disputas”, concordou o vice-presidente executivo da Comissão.

Apesar das posições mais agressivas de alguns Estados-membros — particularmente a França, que tem defendido um contra-ataque na forma de um “Buy European Act” —, Gomes Cravinho garantiu que ninguém na UE está interessado num braço de ferro com os EUA. “Evitaria usar a expressão guerra comercial, porque estamos longe de uma guerra comercial. Existe um desconforto comercial, sem dúvida nenhuma, mas ainda vamos a tempo de encontrar um quadro de entendimento com os Estados Unidos”, concluiu.

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