A pegada carbónica de... uma garrafa de vinho

O custo ambiental de uma garrafa de vinho equivale à emissão de cerca de um quilo de CO2. Especialistas fazem sugestões para tornar o produto mais sustentável.

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As etapas que mais contribuem para as emissões de carbono na produção do vinho são o engarrafamento e a viticultura Nelson Garrido

Tal como todos os produtos alimentares que ingerimos, o vinho também tem uma pegada carbónica. Cultivar, colher e processar uvas, transformando-as numa bebida engarrafada, implica uma cadeia produtiva que consome energia e emite gases de efeito estufa. O investigador Mike Berners-Lee estima, na edição mais recente do livro How bad are bananas - the carbon footprint of everything (Profile Books, 2020), que o custo ambiental médio de uma garrafa de vinho é de cerca de um quilo de CO2 equivalente.

Um quilo é muito ou é pouco? A título de comparação, vamos usar o exemplo de uma sanduíche mista de fiambre e queijo. Se preparada em casa, esta comida tem uma pegada ecológica de cerca de 400 gramas de CO2 equivalente. Ou seja, dividir uma garrafa de vinho ao jantar com um amigo equivaleria, em termos de rasto ambiental, a um pouco mais que comer uma sandes mista.

Outro termo de comparação: consumir uma garrafa de vinho pode equivaler ao custo ambiental de enviar 38 e-mails longos a cem pessoas ao mesmo tempo. Em resumo: consumir uma garrafa de vinho não vai causar uma catástrofe ambiental, o que não quer dizer que não haja espaço para tornar a produção e distribuição do produto mais sustentável.

O cálculo de emissões de gases de efeito estufa associadas a um prato, ou de uma bebida, ajuda-nos a tomar melhores decisões quando vamos ao supermercado ou preparamos uma refeição. O objectivo destas estimativas não é convencer os apreciadores de vinho a abrir mão deste prazer, mas sim encontrar soluções e processos mais sustentáveis. Se não sabemos quais são as etapas de produção e distribuição que mais agridem o planeta, por exemplo, como podemos operar mudanças para tornar o produto mais amigo do ambiente?

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O cultivo de vinhas pode ter um papel positivo de sequestro de carbono através de boas práticas agrícolas Rui Oliveira

A culpa é da garrafa

Os investigadores Luís Pinto da Silva e Joaquim Esteves da Silva, ambos professores na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), debruçaram-se precisamente sobre a literatura científica que avalia a pegada carbónica associada à produção de vinho. Analisaram vários estudos publicados na última década sobre diferentes tipos de vinhos, oriundos de diferentes países e regiões. E concluíram que as etapas que mais contribuem para as emissões de carbono são o engarrafamento e a viticultura.

A questão da embalagem está ligada ao vidro, um material mais pesado e com uma pegada carbónica considerável. Já os impactes do cultivo das vinhas estão associados ao consumo de fertilizantes, produtos fitossanitários e combustível para as alfaias agrícolas. Todos estes produtos exigem uma quantidade considerável de energia para serem produzidos e, por sua vez, são considerados peças-chave no modelo actual para garantir uma colheita e um engarrafamento satisfatórios.

Com base nestas conclusões, publicadas num artigo científico, os autores propuseram caminhos para reduzir a pegada de carbono do vinho nas diferentes fases de produção:

  • Os produtores devem usar garrafas de vidro de menor peso, garrafas recicladas ou mesmo garrafas de outros materiais com menor pegada de carbono
  • Recorrer às energias renováveis na vitivinicultura
  • O sequestro de carbono pelo solo e pelas árvores pode ser essencial para mitigar as emissões na fase de viticultura

O rasto de carbono deixado pelos diferentes vinhos regionais ou internacionais, segundo a literatura existente, pode oscilar muito. “Descobrimos que as pegadas de carbono são altamente variáveis, o que demonstra a necessidade de um protocolo e uma fórmula de cálculo mais uniforme e padronizada para estimar este parâmetro de uma forma mais significativa”, referem os autores na conclusão do artigo de revisão, publicado este ano na revista científica Cleaner and Circular Bioeconomy.

Usar um decanter

Mike Berners-Lee sugere que, em vez de cortar no vinho – um produto com valor cultural e gastronómico para incontáveis consumidores –, mais vale mudar alguns aspectos da cadeia produtiva. Deixar de usar garrafas de vidro como embalagem de eleição é uma das alterações propostas, uma vez que o conteúdo da garrafa costuma ter uma pegada ecológica menor do que a própria embalagem de vidro.

O objectivo seria reduzir emissões da produção e reciclagem de vidro, tornando também o transporte mais eficiente através da adopção de materiais mais leves – caixas de cartão, por exemplo. “Se o cartão soa ofensivo, é sempre possível servir o vinho num decanter. Mas imaginemos que prefere a variedade e a qualidade do vinho vendido em garrafas de vidro. Ainda assim, há muitas coisas que podem ser alteradas na cadeira de abastecimento”, escreve Berners-Lee.

Além da sugestão do uso do decanter, o autor recomenda o consumo de vinho acondicionado em caixas, produzido localmente e, de preferência, comprado a distribuidores que importam a bebida em contentores (e não em garrafas de vidro, que têm um peso significativo se comparado ao de outros materiais). Isto permite que o produto seja embalado localmente e tenham um impacte ecológico reduzido no transporte e na distribuição.

Sequestro de carbono

Luís Pinto da Silva sublinha, contudo, que é um erro ver o vinho em si como um produto emissor de gases. A produção de vinho, tal como outras actividades que resultem de actividades agrícolas com boas práticas agro-ambientais, pelo contrário, também contribui para o sequestro de carbono”, explica ao PÚBLICO o co-autor do estudo.

O investigador explica que é preciso não esquecer que ocorrem, já ao nível da vinha, processos naturais de sequestro de carbono. Além da captura vegetal de CO2, o próprio solo sequestra carbono, uma capacidade que pode e deve ser optimizada por boas práticas”.

Estes processos naturais de sequestro já ocorrem e compensam ou mitigam emissões de carbono de outras fontes. Aliás, pegadas carbónicas positivas são obtidas quando não se quantifica este sequestro natural de carbono ao nível da vinha. Dados mais recentes indicam que quando esse sequestro (que já ocorre) é contabilizado, a pegada do vinho produzido pode ser neutra (ou até negativa)”, esclarece o professor do departamento de geociências, ambiente e ordenamento do território da FCUP.

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