Nova lei anti-LGBT na Rússia faz parte de abordagem conservadora com a guerra em fundo

Formulação da lei hoje aprovada é vaga mas as consequências podem ser proibições de livros ou filmes com personagens LGBT.

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Marcha pelos direitos LGBTQI em 2019 em São Petersburgo - foram detidas onze pessoas ANTON VAGANOV/Reuters

A Duma (câmara baixa do Parlamento russo) aprovou esta quinta-feira a versão final de uma proposta de lei que proíbe do mesmo modo “propaganda de relações sexuais não tradicionais, pedofilia e indução de cirurgia de reatribuição de género”, prevendo multas pesadas de até 200 mil rublos (cerca de 3 mil euros) para pessoas individuais ou 5 milhões de rublos (quase 80 mil euros) no caso de organizações. Se a pessoa condenada for estrangeira, pode ser expulsa do país.

O jornalista do diário britânico The Guardian Pjotr Sauer, especializado em assuntos russos, nota que a lei é parte de uma abordagem mais conservadora da classe política russa em relação a questões internas. Ouvido pelo Guardian, o activista Igor Kochetkov, responsável por uma organização russa de direitos LGBT, vê a lei como parte “de um ataque alargado do Governo a tudo o que considera ‘ocidental e progressista’”. Numa altura que a Rússia está a sofrer derrotas na guerra na Ucrânia, acrescentou o activista, o Kremlin está a procurar inimigos internos em quem concentrar a atenção.

Segundo a versão em inglês da agência russa TASS, são penalizadas a disseminação de informação, ou acções públicas, que tenham o objectivo de “formar uma orientação sexual não tradicional”, ou “um entendimento distorcido de uma equidade social entre relações sexuais tradicionais e não tradicionais”. O Guardian diz que os meios afectados podem ser filmes, media tradicionais ou online, publicidade – além de qualquer acto público.

Esta lei tem base numa outra, de 2013, que na altura provocou reacções internacionais e que proibia “propaganda de relações sexuais não tradicionais” entre menores e que foi usada para deter activistas de direitos LGBT. Na lei agora aprovada, o envolvimento de menores implica penas mais pesadas.

A formulação da lei quer dizer que qualquer menção pública de relações entre pessoas do mesmo sexo fica automaticamente proibida, segundo o Guardian – e defensores de direitos humanos temem que seja usada para proibir festivais independentes de literatura e cinema.

No entanto, é ainda um pouco vaga, segundo Igor Kochetkov. “Nesta altura, é difícil saber como é que isto vai afectar a comunidade – mas a situação da comunidade LGBT era já muito má antes desta lei”, afirmou.

Num discurso no final de Setembro em que declarou a anexação de territórios ucranianos ainda que não os controlasse na totalidade, o Presidente, Vladimir Putin, acusou o Ocidente de “satanismo” e lançou-se num ataque: “Gostariam que as palavras Pai e Mãe fossem substituídas, no nosso país, por Progenitor 1 e Progenitor 2?”, perguntou. “Queremos mesmo que os nossos filhos aprendam nas escolas sobre perversões que nos levam à extinção, ou sobre a ideia de que há mais géneros para além do homem e da mulher, ou sobre cirurgias de reatribuição de género?”

Num comentário feito quando foi apresentada a primeira versão da lei, há cerca de um mês, a Amnistia Internacional (AI) lembrava essa lei de 2013, “em que havia o pretexto de proteger os jovens de uma alegada má influência” (a primeira versão da lei não juntava a pedofilia e as cirurgias de reatribuição de género).

Na nova lei, comentava a organização de protecção de direitos humanos, que como outras deixou de ter um escritório na Rússia em Abril, “tudo o que era pretensão desapareceu”, e o que ficou foi uma lei que, “se aprovada, irá muito provavelmente ser usada para acabar com ONG, bloquear sites de temas LGBTI, silenciar páginas em redes sociais e intimidar activistas com multas exorbitantes”. A AI previa ainda efeitos “desde impedir a exibição de filmes com personagens abertamente LGBTI ate à ostracização de pessoas LGBTI”.

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