Primeira “apólice de seguro” de corais dos EUA abre caminho para brigadas nos recifes

O contrato de seguro contempla o Estado do Havai e tem o objetivo de financiar a recuperação de corais danificados, no evento de uma tempestade.

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Recifes de coral são uma importante fonte de proteção contra tempestades costeiras. Reuters/STAFF

A visão da The Nature Conservancy para o futuro da protecção dos corais envolve barcos rápidos, e um exército global de mergulhadores destacados para agir quando tempestades tropicais e furacões danificam os recifes. Esta segunda-feira, o plano global “Brigadas de Corais” aproximou-se da realidade quando comprou uma apólice de seguro em nome do Estado do Havai, o primeiro contrato de seguro de coral dos EUA, que fornecerá fundos para trabalhos de reparação, com base em apólices semelhantes feitas nas Caraíbas.​

Devido às alterações climáticas, tempestades costeiras são um fenómeno cada vez mais frequente e destrutivo, pelo que a The Nature Conservancy, uma organização sem fins lucrativos estadunidense, deu esta segunda-feira o primeiro passo para uma nova abordagem na protecção ambiental.

“Até à data, a conservação tem dependido realmente da filantropia e de subsídios governamentais”, disse à Reuters Eric Roberts, um gestor sénior do programa de risco e resiliência da The Nature Conservancy (TNC). “Ao utilizar seguros, estamos também a recorrer ao sector privado para este trabalho.”

Este “seguro para corais” cria a possibilidade de uma indemnização de até dois milhões de dólares no caso de as ilhas contempladas no contrato – Oahu, Molokai, Lanai, Maui e Hawaii – se transformarem em cenário de uma tempestade que danifique os recifes que as rodeiam. Segundo noticiado pelo New York Times, num cenário ideal em que o estado do Havaí concede autorização à The Nature Conservancy para fazer a reparação dos danos, a organização utilizará os fundos do seguro para o fazer.

Além de serem berçário para as mais variadas espécies, os recifes de coral constituem uma importante fonte de protecção contra tempestades costeiras na zona, ao providenciarem um efeito de barreira que reduz o impacto, por exemplo, de inundações. Para Eric Roberts este factor é já suficiente para despertar o interesse privado: “Mesmo só com o valor da redução de risco de inundações, geralmente isso é suficiente para dizer ‘sim, temos de proteger estes recifes'”, afirma.

Uma corrida contra o tempo

As “brigadas” reparam os recifes de coral danificados a partir da recuperação de fragmentos dos mesmos, que são depois armazenados e criados em viveiros localizados no oceano ou na costa. Posteriormente, com a utilização de cimento ou resina epóxi, estes fragmentos são anexados, num processo cujo custo pode ir de 10 mil a 1,5 milhões de dólares (isto é, de cerca de 9800 euros a 1,45 milhões de euros) por hectare, no caso de serem necessários novos corais.

Além do custo elevado, trata-se de uma corrida contra o tempo, acrescenta o artigo do New York Times com o título In a First, Nonprofit Buys Insurance for Hawaii’s Threatened Coral Reefs​", a associação tem apenas seis semanas a contar da data de uma eventual tempestade para concluir este processo caso contrário, o coral danificado morre, reduzindo a barreira de protecção do arquipélago.

Pelo prémio de 110 mil dólares, equivalente a cerca de 108 mil euros, no contrato do Havai anunciado na segunda-feira, esse estado receberá até 2 milhões de dólares de protecção de seguro para os seus recifes de coral até ao final de Dezembro de 2023.

O contrato com a companhia de seguros, no valor de 110 mil dólares, é válido até ao fim de Dezembro de 2023 e contempla um pagamento à The Nature Conservancy de até dois milhões de dólares – o que ronda um milhão e 946 mil euros nas semanas seguintes a uma tempestade.

O valor é definido tendo em conta uma apólice “paramétrica” em que, em vez de fazer uma verificação dos danos comum, faz um cálculo dos possíveis danos a partir da velocidade do vento, começando a contar a partir de 92,6 quilómetros por hora.

O precedente mexicano

Em 2017 foi apresentado o primeiro sistema de seguros no México (com apólices pagas pelo Governo e por hotéis locais), que tinha como objectivo proteger o recife de corais na costa de Cancún, pertencente ao recife de corais das Caraíbas.

A ideia de fazer seguros para recifes foi testada também pelo estado mexicano de Quintana Roo. Ao largo de algumas das ruínas maias mais famosas do país, os negócios de turismo local e o Governo fizeram uma apólice de seguro que cobria a sua parte do Recife Mesoamericano, situado no Mar do Caribe. Este contrato foi, aliás, renovado no último mês de Julho por 6 milhões de pesos mexicanos, ou seja, cerca de 300 mil euros.

​"Sim, pode ser muito dinheiro”, disse a Secretária de Ecologia e Ambiente Josefina Huguette Hernández Gómez admitindo, no entanto, que vale a pena. “O custo é mais alto quando existe perda de biodiversidade ou corais do que o que se paga em seguro”, justifica.

Posteriormente, o grupo ambientalista Mesoamerican Reef Fund (ou MAR Fund) fez uma outra apólice para o que restava do Recife Mesoamericano e, que incluía as zonas do México, Belize, Guatemala e Honduras. Estas apólices garantiram o pagamento por danos causados por uma tempestade no México, em 2020, e por outra em Belize este mês de Novembro.

Willis Towers Watson, que trabalhou, não só na apólice desta segunda-feira, no Havai, mas também na do MAR Fund, revela estar activamente a planear medidas semelhantes para as ilhas Fiji. E também apólices para o branqueamento de recifes de coral, escoamento devido a chuvas excessivas, e perda de dias de pesca devido a tempestades induzidas pelas alterações climáticas.

Esta nova abordagem faz parte de “um esforço global, coordenado e sem precedentes entre os sectores público, privado e filantrópico”, necessário para que “os corais sobrevivam além do final deste século”, conclui um estudo de 2020 da The Nature Conservancy sobre a viabilidade destes seguros.

Uma solução a encaixar no fundo de ‘perdas e danos’

A grande conquista das negociações da COP27, que terminou este fim-de-semana no Egipto, foi o acordo em criar um ‘fundo de perdas e danos’ que apoie os países mais vulneráveis a desastres climáticos.

Patricia Espinosa, diplomata mexicana e anterior líder da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima afirmou que os seguros para recifes de coral encaixavam na discussão sobre perdas e danos que decorreu no COP27 e deviam ser um assunto mais explorado.

“A realidade de hoje é que a maior parte das perdas que vemos como resultado destes fenómenos climáticos muito radicais e severos não estão asseguradas”, rematou, acrescentando que “se não encararmos a crise climática, iremos ter um total desastre que vai ser sentido em todos os sectores”.

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