Costa e Lula viram página e recuperam eixos de diplomacia comum

Primeiro-ministro e Presidente eleito brasileiro confirmaram em Lisboa o retomar dos laços e prioridades diplomáticas entre os dois países, a começar pelo reavivar da CPLP.

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Presidente eleito do Brasil e o primeiro-ministro português EPA/MANUEL DE ALMEIDA

António Costa e Lula da Silva querem revitalizar as relações diplomáticas bilaterais e para isso contam com eixos prioritários coincidentes ao nível das respectivas políticas externas.

No final do encontro realizado esta sexta-feira em Lisboa, o primeiro-ministro português e o Presidente eleito do Brasil sinalizaram uma confluência de interesses desde já assente em três pontos: recuperar uma CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] paralisada; apoio à realização, em 2025, da COP30 [Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas] na Amazónia; reforma das Nações Unidas (ONU), alargando o Conselho de Segurança a outras geografias, incluindo a integração do Brasil como membro permanente, e a extinção do direito de veto (uma questão que aproxima a diplomacia dos dois países há diversos anos).

Apesar de Jair Bolsonaro continuar a ser o Presidente brasileiro em funções – Lula só toma posse a 1 de Janeiro de 2023 , António Costa não deixou de frisar, aos jornalistas, que “o mundo tinha muitas saudades do Brasil, precisava que o Brasil regressasse à defesa dos valores da democracia, ao combate contra as alterações climáticas, à defesa do ambiente, aquilo que é protecção e defesa da cultura”.

“Portugal tinha muitas saudades do Brasil e eu, pessoalmente, tinha muitas saudades do Presidente Lula”, admitiu Costa após quatro anos de difíceis relações diplomáticas com Brasília. Como tal, o primeiro-ministro frisou que há “muito a fazer em conjunto” e garantiu que de “certeza que a partir de 1 de Janeiro vamos voltar a ter o Brasil perto de nós e continuar esta caminhada que há 200 anos começámos”.

Ao convite publicamente endereçado para que António Costa e o Presidente da República estejam na sua tomada de posse, primeiro dia de 2023, o primeiro-ministro notou que irá combinar com Marcelo Rebelo de Sousa “como estaremos representados”.

Por seu lado, Lula da Silva fez questão de salientar a “alegria de estar em Portugal e ser recebido” por António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa – com o chefe de Estado manteve um encontro de cerca de uma hora sem declarações no final –, o que para o Presidente eleito é uma “demonstração de que o Brasil voltou ao mundo político, voltou a discutir os assuntos que são do interesse da humanidade”. “Fazia quatro anos que o Brasil estava totalmente isolado do mundo por culpa do próprio governo brasileiro.”

No âmbito da normalização das relações bilaterais – “o Brasil voltou à normalidade”, como destacou Lula – o Presidente eleito adiantou que há uma “cimeira [Portugal-Brasil] para fazer” – nem Costa nem Lula deixaram indicações, nas declarações reproduzidas pela RTP3, sobre quando poderá decorrer –, bem como um “encontro da CPLP para fazer porque há muito tempo não acontece”.

Outro ponto da lista de tarefas passa pela entrega formal do Prémio Camões a Chico Buarque, anunciado em 2019, mas cuja entrega foi adiada já em 2020: “Estou orgulhoso porque finalmente vou assinar o Prémio Camões que o Chico Buarque ganhou. E se Deus quiser estarei em Lisboa com o Chico Buarque para receber o prémio tão merecido.”

Para António Costa, e recuperando uma expressão cara ao líder do executivo, o regresso de Lula ao poder e a saída de Bolsonaro garantem que “há virar de página”. “Por isso temos defendido a reforma do Conselho de Segurança (CS) e dito que um dos países que deve ser membro permanente do CS deve ser o Brasil, mas para isso o Brasil não pode estar fora do mundo”, afirmou, adiantando de seguida que “com certeza” o Brasil contará com o apoio português à realização da COP30 na Amazónia, região que “deve ser responsabilidade colectiva de toda a humanidade”.

O também líder do PS disse ainda ter esperança que com o regresso de Lula ao Palácio do Planalto seja possível, na segunda metade de 2023 (quando Espanha detiver a presidência do Conselho da União Europeia), desbloquear o acordo UE-Mercosul,

Antes, Lula tinha já defendido que “a ONU de hoje não pode ser a de 1948” e que “o CS da ONU precisa mudar, precisa ter mais gente representando todos os continentes e precisa acabar com a ideia de que um país pode ter direito de veto. Ninguém é superior a ninguém, todos têm de ser iguais e tratar do planeta com o mesmo carinho”, proclamou o Presidente eleito brasileiro.

Em suma, Costa promete que os dois países estarão “juntos na CPLP, nas Nações Unidas, nas grandes causas globais”. Lula da Silva coincide com o primeiro-ministro na definição destas prioridades e lembra que também o Presidente francês, Emmanuel Macron, já anunciou o apoio a que a COP30 se realize no Brasil.

Aprender com Costa e Marcelo

O histórico do PT brasileiro aproveitou ainda para elogiar os papéis institucionais desempenhados por António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo mesmo querer “aprender” com o sucesso de ambos na vida política portuguesa.

Citado pela Lusa, Lula da Silva afirmou querer aproveitar esta vinda a Portugal para “aprender com a esperteza política do Presidente Marcelo” e “com o primeiro-ministro, António Costa, porque eles inventaram uma tal de ‘geringonça’.

Numa aproximação ao que a “geringonça” fez em Portugal, com as forças de esquerda a juntarem-se para retirar o Governo PSD/CDS liderado por Passos Coelho do poder, também Lula protagonizou uma frente (mais ampla porque incluiu forças de centro-direita) para tirar Bolsonaro do Planalto.

“Vim aqui também para aprender o sucesso desses dois, do Presidente e do primeiro-ministro, para ver se a gente consegue fazer o mesmo no Brasil e dar certo”, rematou.

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