COP27: a meio, a zero, a mil

Metade já foi. A segunda semana da Cimeira do Clima está a começar, mas com ela não traz muita esperança.

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Reuters/MOHAMED ABD EL GHANY

A zero.

A maior delegação na COP26, em Glasgow, pertencia à indústria fóssil. Seria de esperar que algo mudasse… ou não? Acontece que este ano o número é ainda maior: há cerca de 600 delegados ligados à indústria fóssil a passear pelo espaço da Cimeira do Clima, mais 25% do que no passado. Numa conferência inundada por lobbying fóssil, parece que estamos a ser colocados rumo ao colapso e, se assim continuarmos, estaremos perante um aumento de cerca de 2,4 ºC nos próximos 30 anos.

Dentro das salas de reunião, o tópico de “perdas e danos” está pela primeira vez na agenda. Este liga-se às consequências da crise climática já sentidas e que vão muito além daquilo a que os países mais afectados se poderiam alguma vez adaptar. Com o falhanço nas medidas de adaptação, chega a necessidade do financiamento para perdas e danos. No entanto, estas negociações ficam-se por visar garantir a sobrevivência, e não a justiça. Quando falamos de financiamento para perdas e danos, não estamos apenas a falar de dar dinheiro aos países, mas para onde é que esse dinheiro vai? Está de acordo com a responsabilidade e reparação histórica? Como vai ser utilizado?

Já é rotina as Cimeiras entrarem em modo crise durante o fim-de-semana; esta Cimeira está em modo crise desde o primeiro dia, sem fim aparente. O contexto nacional em que a COP27 está inserida não nos permite ter os usuais protestos em massa nas ruas. Por isso, apesar de óbvio para alguns, uma das mensagens mais importantes a passar nesta Cimeira é a de que não há justiça climática sem direitos humanos. Sem liberdade política. Sem libertar todos os prisioneiros de consciência.

A mil.

Enquanto sociedade civil, iremos sempre encontrar maneira de erguer as nossas vozes. O começo foi lento, mas em união e com um objectivo comum. Temos feito diversos protestos dentro da Cimeira. Vestidas de branco, centenas de pessoas juntaram-se em solidariedade com todos os prisioneiros políticos, com todos aqueles que foram silenciados, com todos aqueles cujos nomes não chegámos a saber. Os direitos humanos estejam no centro de toda e qualquer agenda.

Na sexta-feira, houve marcha climática pelo Fridays For Future internacional, seguida de uma acção artística chamada “Flood the COP”, em que, com longos vestidos azuis, mulheres de vários países do Sul Global representaram as cheias e exigiram financiamento para perdas e danos através de uma performance. Enquanto isto, passava Joe Biden, que se viu rodeado de activistas, cientistas, membros da sociedade civil que lhe exigiram compensações financeiras para os países mais afectados.

Durante os protestos, erguem-se as vozes que realmente deveriam estar presentes nos espaços de decisão. Jon Bonifacio contou-nos que há dois anos era estudante de medicina nas Filipinas. Isto até descobrir que a sua faculdade estaria totalmente imersa em 2050; agora, é activista por justiça climática a tempo inteiro. “Apenas uma semana antes da COP, experienciámos uma tempestade tropical severa que afectou pelo menos 3 milhões de pessoas. E somos um dos países mais perigosos do mundo para defensores ambientais”, foi um pouco do que Mitzi Jonelle Tan, também das Filipinas, partilhou. No arquipélago asiático, pequenos agricultores e comunidades indígenas estão a ser bombardeados. Defensores da terra são prisioneiros políticos, activistas estão a ser levados, assediados, mortos.

Mitzi terminou o seu discurso com algo que nunca deixará de me dar arrepios: “É onde há opressão e repressão que se encontram as vozes mais fortes de resistência”. E tantas são as histórias de resistência, diversas e bonitas à sua maneira, que merecem e devem ser ouvidas e ampliadas.

Pela primeira vez na história, temos mais refugiados climáticos do que refugiados de guerra. Quantos painéis, quantas conferências, quantos relatórios, quantos protestos serão precisos para que estes decisores políticos, para que estes países historicamente responsáveis, percebam que esta é a luta das nossas vidas?

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