Há ainda mais lobbyistas pela indústria fóssil na cimeira climática deste ano

Análise contabiliza 636 participantes na COP27 com interesses ligados à indústria fóssil. Activistas queixam-se de haver dois pesos e duas medidas.

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Activistas na COP27 contra os combustíveis fósseis KHALED ELFIQI/Lusa

O número de delegados associados aos interesses da indústria fóssil aumentou em 25% na 27.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas (Conferência das Partes – COP27), face ao ano passado. Estarão, ao todo, 636 lobbyistas pelos combustíveis fósseis em Sharm el-Sheikh, no Egipto, durante a COP27, de acordo com uma análise de três organizações. O tamanho desta representação está a ser particularmente criticado num ano em que muitos activistas têm tido dificuldade em aceder à cimeira.

Se os 636 participantes forem comparados ao número dos integrantes das delegações dos países, chega-se à conclusão de que os lobbyistas pelos combustíveis fósseis seriam a segunda maior delegação no Egipto, ficando apenas atrás dos Emirados Árabes Unidos (EAU) – responsáveis pela organização da COP28, em 2023 –, cuja delegação conta com 1070 delegados, 70 dos quais classificados como lobbyistas na lista agora publicada.

Isto significa que a indústria que lucra com a extracção e o uso de matérias-primas como o petróleo, o carvão e o gás natural, responsáveis pela grande maioria das emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial, causadores das alterações climáticas, tem muitos defensores para influenciar a elaboração dos documentos que sairão da COP27 – cujo grande objectivo é, há anos, conseguir que os países travem radicalmente as emissões de gases com efeito de estufa.

“Os lobbyistas da indústria do tabaco não seriam bem-vindos em conferências pela saúde, os comerciantes de armamento não iriam promover o seu negócio em convenções da paz. Não deveria ser permitido deixar abertas as portas da conferência do clima àqueles que perpetuam o vício mundial dos combustíveis fósseis”, defende Pascoe Sabido, do Observatório Europeu das Corporações, uma das organizações responsáveis pelos resultados, em comunicado. “É tempo de os governantes saltarem para fora dos bolsos dos poluidores e ajudarem a que a COP27 se torne o sucesso que o mundo necessita que seja”, exorta.

Dois pesos e duas medidas

Em todas as cimeiras do clima, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) divulga a lista de participantes em cada COP. O documento, para já provisório, contabiliza 33.449 participantes. Destes, 16.118 perfazem as delegações dos 194 países mais a União Europeia e 13.981 pertencem a organizações observadoras da sociedade civil. Há ainda 3350 pessoas da comunicação social.

É a partir daquele documento que resulta a análise agora publicada por três organismos: a Global Witness, uma organização não governamental internacional, com sede em Londres, que investiga a ligação entre a exploração dos recursos naturais e os abusos de direitos humanos; o Observatório Europeu das Corporações (Corporate Europe Observatory), um grupo sem fins lucrativos, com sede em Bruxelas, dedicado a denunciar a influência das empresas nas políticas da União Europeia; e a Corporate Accountability, uma organização não governamental, com sede em Boston, nos Estados Unidos.

Para ser feita a contabilização, a análise define como lobbyista ligado à indústria fóssil alguém que, com uma certeza razoável, tem o objectivo de influenciar a formulação ou a aplicação de políticas ou de legislação, servindo as empresas de combustíveis fósseis (onde se incluem negócios ligados à exploração, à extracção, à refinaria, à comercialização, ao transporte de combustíveis fósseis e à venda de electricidade derivada daquelas matérias-primas).

A partir dos dados que cada participante providenciou à UNFCCC, é possível saber a origem da maioria. O resultado mostra que a pressão deste sector aumentou de há um ano para cá. Em 2021, na COP26 de Glasgow, existiam 503 delegados associados a interesses da indústria fóssil. Ao todo, o grupo era maior do que a delegação de qualquer outro país (os EAU tinham uma delegação bastante mais magra, com 176 integrantes). Este ano houve um aumento de 130 lobbyistas.

“É uma vergonha que não haja dificuldades burocráticas que tornem mais difícil as delegações da indústria atenderem as negociações e infiltrarem-se nas delegações dos países, enquanto as comunidades activistas que estão na linha da frente e outras categorias de pessoas que são as vítimas reais das alterações climáticas lutam contra obstáculos que tornam impossível atenderem [a convenção] ou fazerem as suas vozes serem ouvidas”, defende, num comunicado, Nnimmo Bassey, da Health of Mother Earth Foundation, uma organização que advoga pelo ambiente na Nigéria.

Capacidade de influência

Ao todo, 200 dos 636 lobbyistas integram directamente as delegações de 29 dos 194 países que estão na COP27. Ou seja, poderão ter acesso às reuniões fechadas onde se discutem os documentos que vão ser aprovados na convenção. Depois dos 70 delegados dos EAU, as maiores contribuições vêm da Rússia, com 33 delegados lobbyistas; o Congo, com 12; o Quénia, também com 12; Omã, com 11; Kuwait, com nove; Angola, com oito; e Canadá, também com oito.

Os outros 436 lobbyistas integram comitivas de organizações intergovernamentais, como a Organização de Países de Exportadores de Petróleo, ou organizações não governamentais, como a Associação do Canadá de Produtores de Petróleo, a Câmara Internacional de Comércio, a Associação de Captura e Armazenamento de Carbono, a Business Europe, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, entre outras.

Estes lobbyistas, como os restantes participantes da sociedade civil que estão na cimeira, não têm acesso às reuniões fechadas, nem o direito a ter uma palavra na construção dos documentos – apenas as partes e as suas delegações podem fazer isso, ou seja, os 194 países mais a União Europeia. No entanto, podem andar pelo recinto, organizar painéis paralelos, conversar com os delegados e influenciar as decisões dos países.

Entre todos os lobbyistas, há representantes de empresas petrolíferas como a BP, a Chevron, a Petrochina, a Exxon Mobil, a Kwait Oil Company, a TotalEnergies, há empresas ligadas ao sector da energia como a Iberdrola e a EDP, e outras como a Rio Tinto, a JPMorgan Chase, a Bayer, etc.

“Isto acontece num momento em que as pessoas em todo o mundo estão a sofrer com dificuldades financeiras causadas por preços altos de energia e outros milhões [de pessoas estão a sofrer] por causa dos impactos desastrosos das alterações climáticas”, observa Pascoe Sabido. “Em vez de ser o início de uma acção climática real e necessária, a COP27 parece preparar-se para ser um festival dos combustíveis fósseis e dos seus amigos poluidores, impulsionado pelos recentes lucros avultados.”

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