No Iémen falta água, mas uma planta narcótica que bebe muito nunca foi tão popular

O cultivo da planta angiospérmica khat requer um uso desproporcional de água, o que agrava o problema da escassez num país que enfrenta uma grave crise económica e humanitária.

Foto
Solo esburacado (resultado da seca e da consequente erosão) no Iémen ABDULLAH/REUTERS

No Iémen, há agricultores que, num comportamento que pode estar a comprometer os recursos naturais de um país vulnerável às alterações climáticas, estão a perfurar o solo para extrair água em profundidade e, com ela, cultivar a planta khat, que é muito popular no país e contém uma substância psicoactiva com um efeito idêntico ao das metanfetaminas.

Mastigar khat é um hábito nesta região e a sua procura é uma das poucas certezas numa nação dilacerada por uma guerra de sete anos, que destruiu a economia local e provocou uma crise humanitária terrível.

Para os agricultores, a planta angiospérmica pode gerar até três vezes mais lucro do que qualquer outra cultura, mas o seu cultivo acarreta problemas ambientais. A planta, de sabor amargo, requer muita irrigação e um uso desproporcional de água, o que exacerba o grave problema que o Iémen enfrenta no que concerne à pouca disponibilidade de recursos hídricos.

Com a guerra e a destruição de infraestruturas hidráulicas, milhões de pessoas ficar sem água para beber ou regar os seus terrenos KHALED ABDULLAH/Reuters
Nos últimos anos, o Iémen ziguezagueou entre secas e períodos de chuvas intensas. Estas causaram inundações repentinas que não reabasteceram os aquíferos KHALED ABDULLAH/Reuters
O cultivo da planta khat pode ser benéfico do ponto de vista financeiro, mas acarreta problemas ambientais KHALED ABDULLAH/Reuters
Fotogaleria
Com a guerra e a destruição de infraestruturas hidráulicas, milhões de pessoas ficar sem água para beber ou regar os seus terrenos KHALED ABDULLAH/Reuters

A guerra levou à destruição de infra-estruturas hidráulicas, deixando milhões de pessoas sem água para beber ou usar na rega de terrenos agrícolas. O sistema tradicional de cultivo em socalcos foi negligenciado.

Agricultores em Al-Haweri e Bait al-Dhafif, duas aldeias onde já se cultivou frutos e grãos em abundância, agora plantam khat em socalcos criados a partir de solo escavado em campos abaixo. Para trás ficam enormes covas.

Cultivar khat tem as suas vantagens, dado que a planta demora apenas alguns meses a atingir o ponto em que pode ser colhida. Com as árvores de fruto, a fase de crescimento é bem mais longa (três a cinco anos). Mais: uma cultura de khat é colhida várias vezes num só ano, enquanto as frutas são apanhadas apenas uma vez por ano.

Um furo de mil metros para ter água

Mas, segundo avisou o Banco Mundial em Agosto, as alterações climáticas estão a tornar mais imprevisível a queda de chuva no Iémen. Na capital, o aquífero da respectiva bacia está a ficar sem água. Com isto, agricultores em al-Haweri e Bait al-Dhafif dizem estar a ter de fazer perfurações na ordem dos 550 e 1000 metros (respectivamente), com vista a obter água em profundidade.

Foto
Planta angiospérmica khat REUTERS/KHALED ABDULLAH

Nos últimos anos, as secas no Iémen alternaram com períodos de chuvas intensas, causando inundações repentinas que não reabasteceram os aquíferos. Um relatório recente prevê que, no Mediterrâneo Oriental e no Médio Oriente, as temperaturas subirão quase duas vezes mais rápido do que no resto do mundo, com um aquecimento geral de até cinco graus Celsius (ou mais) até ao final do século.

O relatório, preparado pelo Cyprus Institute (Chipre), deve ser apresentado na Cimeira do Clima de 2022 (COP27), que está a acontecer no Egipto.

“Devido à falta de chuva e ao recuo dos poços, todos os terrenos secaram”, diz Khaled Measer, agricultor de Bait al-Dhafif que fala a partir do seu vinhedo. Este está claramente afectado pela seca, mas é uma espécie de último resistente, não havendo qualquer plantação nos terrenos em redor. “Acabou-se tudo”, diz.

Foto
Khaled Measer KHALED ABDULLAH/Reuters

Em Al-Haweri, as estufas estão abandonadas. Alguns agricultores, como por exemplo Yahya al-Yazidi, ainda estão a tentar manter e salvar as colheitas de alimentos, num país onde 80% de uma população de 30 milhões dependem de ajuda humanitária para comer. Mas Yahya precisa de apoio.

O agricultor cultiva trigo e vegetais. O seu poço secou recentemente a uma profundidade de 320 metros — e ele está, junto das autoridades, a pedir uma licença para cavar mais fundo.

“Tenho plantações e estufas com pepinos e tomates que precisam de água a cada dois dias”, diz. “As culturas ainda não estão amadurecidas. Precisam de água.”

Sugerir correcção
Ler 1 comentários