Negociações do clima: o que esperar da COP27?

A cimeira no Egipto não deverá obter aumentos de ambição em novos compromissos climáticos, mas será uma oportunidade instrumental, permitindo novos passos para a implementação.

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Reuters/MOHAMMED SALEM

Esperava-se que 2022 fosse o ano da recuperação pós-pandemia, mas a ação militar na Europa chocou a comunidade internacional. Assim, a questão da transição energética manteve-se no centro do debate durante todo o ano. Com a guerra ainda a existir, as posições nas negociações climáticas na Cimeira do Clima (COP27) no Egito serão influenciadas pelo conflito em curso e suas implicações geopolíticas.

Há grandes mudanças no campo político que influenciam o próximo ciclo de negociações climáticas. Dependente do gás natural e do petróleo de origem russa, a União Europeia sentiu o risco de graves ameaças à segurança nacional e restrições de fornecimento. Isso desencadeou o aumento no apoio à transição energética por parte da Comissão Europeia, com a aceleração da implantação das novas energias renováveis ​​e do fornecimento descentralizado de energia. Do outro lado do Atlântico, o Inflation Reduction Act americano, assinado em agosto passado, trouxe um pacote de investimentos em clima e energia em larga escala. A legislação direciona US$ 369 mil milhões para energias renováveis, contribuindo potencialmente para uma redução de 40% das emissões até 2030, em comparação com os níveis de 2005.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

Entre os países emergentes, China e Brasil receberão a maior atenção. A China é o maior emissor de gases de efeito estufa e não há solução climática real sem uma mudança na economia chinesa. Embora tenha um compromisso de neutralidade climática até 2060, as metas chinesas estão em choque com o seu modelo de crescimento dependente do carvão, com os investimentos internacionais em combustíveis fósseis e a alta procura e uso de recursos naturais. Com o renovado mandato de Xi Jinping, espera-se continuidade e aceleração dos caminhos climáticos. Já em relação ao Brasil, a situação mudou radicalmente com o recente retorno de Lula da Silva à Presidência. O Brasil estará de volta às negociações e, seguindo sua tradição de diplomacia do ambiente proativa, terá importante participação no debate sobre uso da terra e florestas, considerando o papel da Amazônia na segurança climática global. Apesar de não ter tomado posse, Lula da Silva foi convidado para a Cimeira e buscará garantir uma retoma na influência brasileira.

O que esperar da COP27?

Para os que seguem anualmente as cimeiras, é comum obter dos comentaristas dos media conclusões rápidas e pistas ousadas, como “fracasso” ou resultados “insuficientes”. No entanto, um processo de construção de consenso leva tempo e avanços podem ser obtidos. Os resultados devem ser considerados em perspetiva, levando-se em consideração as expectativas iniciais, baseando-se nas condições políticas internas e nas ações efetivamente adotadas.

Um ponto de partida para definir as expectativas para a COP27 é o resultado da Cimeira anterior. O governo britânico fez um grande esforço político e costurou acordos sólidos. O Pacto pelo Clima de Glasgow endossou a ciência e reconheceu a urgência de enfrentar as alterações climáticas. Ao final, quase 200 países superaram os obstáculos práticos e geopolíticos e escolheram altas ambições, resultando em mais de 90% do PIB mundial coberto por compromissos de neutralidade carbônica, acima dos cerca de 30% em 2019. Ademais, 153 países apresentaram novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), metas de emissões para 2030, o que representa 80% das emissões globais.

A Glasgow Financial Alliance for Net Zero anunciou que bancos centrais e instituições financeiras privadas responsáveis ​​por mais de US$ 130 bilhões em ativos alinharão seus portfólios com a neutralidade carbônica. Glasgow também avançou em compromissos debatidos anteriormente, como o Artigo 6 do Acordo de Paris, que cria um mercado internacional de carbono. Portanto, a COP27 não deverá obter aumentos de ambição em novos compromissos climáticos, mas será uma oportunidade instrumental, permitindo novos passos para a implementação.

O foco é, de facto, implementar o que foi acordado. Recentemente, as novas NDC somaram-se aos compromissos públicos e privados que desvelam-se em uma “babel” de iniciativas climáticas. No entanto, há um longo caminho para converter “o que” está comprometido em “como” as coisas serão feitas. Por exemplo, no artigo 6.4 do Acordo de Paris há muitos aspetos operacionais abertos, como novas metodologias, ferramentas de registo, processos de validação de créditos de carbono, regras do período de transição dos MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Embora acordado politicamente, há muito trabalho técnico para que o novo mercado de carbono de fato entre em operação.

Além disso, a presidência do Egito propõe dar voz e promover a perspetiva dos países em desenvolvimento. Os efeitos das alterações climáticas são uma realidade crescente em todo o mundo e as medidas de adaptação devem ser acordadas. Assim, será debatido os temas de “Perdas e Danos”, “Financiamento” e “Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia”. O Egito anunciou que quer fazer desta a “COP da África”, mostrando o quanto a maioria dos países africanos será fortemente afetados pelas alterações climáticas. O Egito também propõe ser o líder africano na diplomacia climática. A ver quanto desta ambição política será efetivamente cumprida.

Paralelamente às negociações diplomáticas, o setor privado terá a oportunidade de apresentar soluções de última geração. O hidrogénio ganha impulso, com altos investimentos planejados e com projetos a passar de pilotos para escala comercial. Além disso, iniciativas de “uso da terra, mudança no uso da terra e floresta”, como conservação, reflorestamento, regeneração do solo e resiliência dos ecossistemas, receberão mais atenção dos desenvolvedores e financiadores de projetos. Além das “promessas tecnológicas”, as soluções baseadas na natureza entraram nas agendas dos governos e do setor privado, incluídas como mitigação e adaptação climática.

Finalmente, as reuniões de Sharm el-Sheikh do Egito irão expor as diferenças entre o mundo desenvolvido e o em desenvolvimento. As maiores ambições de NDCs atingirão o seu limite e eventualmente cessarão. Mesmo com a nova e acelerada legislação de transição energética, a implantação da mesma não concretizar-se-á da noite para o dia. Portanto, garantir o que foi acordado previamente, desbloquear as obstruções para a efetiva implementação, avançar nos planos de adaptação e evitar retrocessos pode ser um resultado positivo.

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