Revisitando o Acordo Climático de Glasgow: os novos desafios

Podemos realçar que a COP26 apresenta resultados optimistas que reflectem a concordância generalizada dos países no investimento conducente à mitigação das alterações climáticas. No entanto, é necessário dar cumprimento e mesmo reforçar as metas por parte de cada país.

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Priscilla Du Preez/Unsplash

Em Agosto de 2021, a comunidade internacional foi alertada, pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), para a previsão de um cenário climático catastrófico se a trajectória actual de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) permanecer tal como está.

Para agravar esta situação, a conjuntura político-económica mundial alterou-se dramaticamente em 2022 com o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Torna-se, portanto, necessário adoptar estratégias mitigadoras que coloquem em prática o aumento do investimento em tecnologias de baixo carbono, aumento da eficiência energética e redução da utilização dos recursos energéticos, nomeadamente.

O controlo do rumo do sistema climático mundial tem sido o propósito das cimeiras COP (Conference of the Parties). Na COP21 de 2015 foi estabelecido o objectivo de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2º Celsius relativamente aos valores pré-industriais (com uma meta preferencial de 1,5º Celsius). Estando este desígnio em franco risco de não ser cumprido, a COP26, realizada em 2021 em Glasgow, surge com o objectivo de estipular medidas mais ambiciosas na luta contra as alterações climáticas.

No geral, a COP26 demonstrou, de facto, um alinhamento global no esforço pela mitigação das alterações climáticas, tendo os 195 países participantes aumentado o seu nível de compromisso em investir em tecnologias sustentáveis.

Das medidas da COP26 que nos deixam mais optimistas destacam-se:

  • Regeneração das florestas: mais de 100 países assinaram um acordo para parar e reverter a desflorestação.
  • Pacto global de metano: os signatários comprometeram-se a reduzir 30% de emissões de metano até 2030. Este gás tem um potencial de aquecimento global bastante superior ao CO2, sendo principalmente proveniente da pecuária e da exploração de petróleo e gás.
  • Acordo Sino-Americano: apesar do clima de tensão entre a China e os Estados Unidos, as duas grandes potências acordaram em unir esforços para reduzir emissões e desenvolver um sistema energético mais limpo.
  • Fim do Investimento em Combustíveis Fósseis: mais de 30 países decidiram pôr fim ao financiamento da compra de combustíveis fósseis até 2022.
  • Declaração de Transição do Carvão para Energia Limpa: mais de quarenta países comprometeram-se a eliminar o uso de carvão. O pacto estabelece o fim do uso de carvão nas economias desenvolvidas até 2030 e nos países em desenvolvimento até 2040.
  • Fim da venda de veículos poluentes: 24 países desenvolvidos e alguns dos maiores fabricantes de automóveis, tais como GM, Ford, Volvo, Jaguar Land Rover e Mercedes-Benz, comprometeram-se a que todas as vendas de automóveis novos tenham emissões zero a nível mundial até 2040, e em 2035 nos mercados automobilísticos mundiais mais relevantes.
  • Agenda de Glasgow: o compromisso de alguns governos em promover energias limpas e reduzir as emissões em algumas das indústrias mais poluentes do planeta, designadamente aço, hidrogénio, energia e transportes.

Adicionalmente, é ainda de destacar que o número de países que se comprometeram a atingir emissões neutras em carbono, entre 2030 e 2060, atingiu os 140, um marco histórico e promissor no combate às alterações climáticas.

No entanto, alguns pontos menos positivos também devem ser destacados, nomeadamente o facto de a Índia, o terceiro maior emissor de poluentes, atrás dos Estados Unidos e da China, se ter comprometido apenas em reduzir o investimento em tecnologia de carvão, em vez do inicialmente esperado compromisso em desinvestir totalmente nesta tecnologia. Adicionalmente, a Austrália não apresentou metas mais ambiciosas que as definidas em 2015, o que demonstra uma dificuldade em alinhar políticas internas com metas sustentáveis mais ambiciosas.

Numa outra nota, a COP26 pressupõe a actualização anual das metas de cada país, o que provoca uma ambiguidade nas metas de cada país e, de acordo com as projecções do IPCC, é de facto imperativo um nível de ambição elevado por parte de cada país que resulte no aumento de investimento em políticas sustentáveis para que se consiga alcançar a meta dos 1,5º Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Neste sentido, e apesar do risco de menor compromisso a curto prazo, a COP26 ficou marcada por um progresso no financiamento à transição climática. Não só os países desenvolvidos se comprometeram a financiar, o mais rapidamente possível, a transição climática com 100 mil milhões de dólares por ano, como também se comprometeram a duplicar o financiamento alocado a projectos de adaptação às alterações climáticas no horizonte 2021-2025. É ainda de destacar que a União Europeia e os seus estados-membros se tornaram nos maiores financiadores do combate às alterações climáticas.

Devido à referida alteração da conjuntura mundial, a UE e os EUA tomaram a decisão de aplicar sanções à Rússia com impacto a nível do comércio e da economia. No entanto, diversos Estados-membros da UE são muito dependentes do gás exportado pela Rússia e, ao arriscar a retaliação russa que resulte na quebra do fornecimento desse recurso, têm de recorrer a outros países, tais como os EUA e a Noruega, para suprir as necessidades de gás ou, mesmo, de voltar a aumentar a queima de carvão, contrariando os objectivos climáticos.

Este cenário demonstra, inequivocamente, a necessidade de independência energética, o que é, intrinsecamente, uma das vantagens aclamadas pelas energias geradas através de fontes renováveis, endógenas, especialmente as não emissoras de gases com efeito de estufa.

Assim, podemos realçar que a COP26 apresenta resultados optimistas que reflectem a concordância generalizada dos países no investimento conducente à mitigação das alterações climáticas. No entanto, é necessário dar cumprimento e mesmo reforçar as metas por parte de cada país, perante o insuficiente progresso apontado pelo IPCC, assim como conseguir uma adaptação e resposta aos contextos geopolíticos que, recentemente, se têm demonstrado muito voláteis.

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